sexta-feira, 30 de junho de 2017

Apontamentos III. Tradução. Introdução às Obras Completas IV de Edith Stein.


Escritos Antropológicos e pedagógicos. 


Autor (a): Edith Stein.

Organizadores e tradutores: Julen Urkiza e Francisco Javier Sancho.

Introdução Geral. 
   

A carta que Edith Stein escreveu ao santo padre demonstra a intuição da mesma frente ao grande acontecimento histórico - o regime nazista, acontecido na Alemanha. Esta carta nos mostra o atentado contra a pessoa humana e contra sua dignidade. Edith, buscadora da verdade que é, não podia se calar. A filósofa demonstra em todas as suas obras o amor pelo ser humano. Era dedicada, orante, sensível, modesta, enfim, era um exemplo para todos que a rodeavam. Na escola é dedicada às alunas, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto humano-espiritual. Edith não é teórica quando fala da vida cristã e da educação, ela simplesmente reflete aquilo do qual está profundamente convencida. A santa será uma mulher que vai se distinguir sempre por seu realismo, que a leva a um modo de atuar profundamente solidário, apesar das múltiplas ocupações e de viver em um ambiente fechado. Ajudava, em silêncio, as famílias mais necessitadas de Espira. Em 1926, sobretudo em 1928, inicia suas conferências. Stein era apaixonada pela liturgia da Igreja. Para assumir uma cátedra, a filósofa necessita apresentar um trabalho de habilitação, uma espécie de nova tese doutoral. Se retira na cidade de Friburgo, no convento de Santa Lioba, ao pé da Selva Negra, a fim de se concentrar neste trabalho. O fruto será Potência e Ato. Não chega a assumir tal posto, porém recebe um pedido para ser professora no Instituto Alemão de Pedagogia Científica, em Munster. Com isso, ela poderá dar continuidade às suas investigações e desenvolver suas múltiplas conferências. O primeiro curso aconteceu no verão de 1932 - Título: Problemas da formação da mulher. 
No inverno de 1932-33, dedica suas classes ao tema Estrutura da Pessoa Humana. O terceiro curso, no verão de 1933, como continuação do anterior e com o tema: Que é o homem? A antropologia da doutrina católica da fé, que infelizmente não chegou a ministrar. No dia 30 de janeiro de 1933, Hitler sobe ao poder. Em 1º de abril surge a lei proibindo os judeus de ocuparem cargos públicos. Edith é impedida de seguir com suas classes em Munster e também com suas conferências públicas. Eis que começa uma nova etapa em sua vida, que a levará a realizar o seu sonho de se tornar uma monja carmelita. 

As obras de Edith tem como princípio básico formar o homem e a mulher como seres humanos (cristãos) integrais. Uma espiritualidade cristã ao alcance de todos, uma pedagogia fundamentada em uma compreensão teológico-bíblico do homem, o ser e a existência da mulher e a antropologia cristã. Edith centra sua atenção na liturgia e na eucaristia. Não lhe escapam as funções pedagógicas, culturais e celebrativas, sua atenção centra-se no mistério que ali se celebra. O viver eucarístico é a chave de uma autêntica vida cristã. Quem participa empaticamente e se co-sacrifica com Cristo, necessariamente deixa que se faça efetiva nele a salvação e que busque levá-la aos outros. 
Viver eucaristicamente, segundo a nossa autora, significa a dedicada vontade de sair de si mesmo, crescer no amor, empenho no seguimento de Cristo e caminhar com a filiação divina. A atenção de Stein se orienta para uma formação integral da pessoa. O ser humano, que é o material da educação, deve ser conhecido de antemão, isto é, há que se ter um conceito o mais claro possível de sua natureza, ser, origem e fim. Sem estes elementos preliminares, a pedagogia caminha para o fracasso.
As fontes da pedagogia cristã, não podem ser somente a filosofia, a psicologia e outras ciências humanas. Se queremos ter uma imagem global do homem, haveremos de recorrer à Revelação, às Escrituras, à teologia e às experiências dos místicos - grandes conhecedores da vida íntima do homem. Só então poderemos alcançar uma visão o mais completa possível do ser humano. 

Edith refletiu bastante sobre a mulher.
Stein leva-a a tomar consciência de seu ser diverso. O homem domina a terra, A mulher é sua companheira, esposa, que o ajuda nesta tarefa. Característica especificamente feminina é a maternidade - (Cf. Gn 1, 28), elemento este que a filósofa desenvolve repetidamente ao longo de seus escritos. Seu modo de ser é mais orientado para o vivo e para a contemplação. A virgindade consagrada tem um enorme valor para Edith. Como mãe, a mulher desenvolve sua vocação sendo o coração da família e a alma da casa. É educadora dos filhos, ajuda o homem a ser o que ele tem que ser. A autora apresenta algumas imagens que resumem o ser da mulher: mãe dos viventes, mulher forte, esposa de Cristo e símbolo da Igreja.
Maria, a mãe de Deus, é modelo de vida cristã para a mulher e para toda a humanidade. Em sua primeira etapa - filósofa fenomenóloga, não cristã - o conceito que conquista do ser humano é objetivo, no sentido de que não se deixa condicionar por nenhuma escola ou ideologia. Vai ser fruto da observação e do estudo fenomenológico de seu próprio ser e de quantos a circunda. Quando toma contato com a Revelação, isto é, quando se converte ao catolicismo, os conceitos que definem o humano se ampliam pelo fato de ter feito uma profunda experiência pessoal, pelo mistério de Cristo e a observação experiencial dos místicos, em especial, Teresa de Jesus e João da Cruz. 

Em A Estrutura da Pessoa Humana, há elementos que definem o ser do homem:

1 º - É pessoa, isto é, possui uma individualidade e é capaz de se relacionar,
2º - É livre, capaz de marcar um rumo e de dar sentido à sua vida.
3º - É espiritual, ou seja, um ser racional e capaz de transcender-se a si mesmo, acolhendo e se abrindo para o outro. É capaz da empatia plena.
Terminologicamente falando, o homem-pessoa se define como: espírito, liberdade, individualidade e relação. Se o homem se desfizer de qualquer um destes elementos, sua personalidade, sua humanidade, será frustrada. 

O homem como espírito - Edith quer evidenciar o propriamente humano, comparando-o com os seres inferiores *[próprio da fenomenologia]: matéria, plantas e animais. O que distingue o ser humano não é só sua capacidade de raciocínio, mas sua capacidade de sair de si, de transcender os limites da própria fisicidade e sua capacidade de acolher seu semelhante. O homem se compreende como um ser transcendente, um ser que não esgota sua materialidade e sensibilidade, como um ente que tende sempre ao mais e que descobre desde um olhar sincero e objetivo de si, que não encontra a realização de seu ser em si mesmo. 

Homem: corpo-alma-espírito. Se uma pessoa descuida de quaisquer de suas partes, não desenvolverá a plenitude de seu ser. O resultado: o sem sentido e o vazio da existência. 

Liberdade - Para Stein não é só a capacidade de optar. Não é algo que se dá, mas que se conquista. O ser humano é livre na medida em que alcança e conquista seu ser, na medida que se faz capaz de optar por aquilo que é melhor para si, aquilo que lhe perfecciona. Este tema - liberdade - é para Stein essencial, visto que sem liberdade não há pessoa. Esta liberdade não é sempre conquista do homem, que marcado pelo pecado é incapaz de chegar com suas próprias forças ao mais profundo de seu ser. Necessita da ação da graça para poder conquistar seu próprio centro, o centro da liberdade, e realizar ali o ato mais livre da liberdade: entregar-se totalmente à vontade divina. 

Individualidade - Em sua obra aparece constantemente, disperso em muitos momentos. A individualidade em Stein tenta recuperar para toda pessoa sua capacidade de ser, sua personalidade ou sua irrepetibilidade. E é aqui que ela faz resplandecer a dignidade e a vocação do ser humano. O humano não é um ser vazio.
Carrega consigo um eu próprio que deve conhecer para poder se realizar.  Aí radica uma das principais chaves da realização e da plenitude de todo ente humano: ser si mesmo. 
A individualidade só alcança sua plenitude com o ser divino. É nele que o ser humano descobre seu ser originário e sua vocação, seu ser individual, porém aberto e formando parte de um grupo que deve encarar e desenvolver sua individualidade. A individualidade é o maior tesouro que o homem possui. Não é algo acidental, nem sequer na vocação à união com Deus e sim algo essencial à mesma. 

A relacionalidade para Stein - Ser pessoa implica necessariamente relação. A mesma estrutura do ser humano enquanto espírito, está exigindo a abertura. Se existisse somente um indivíduo, o que é impossível, não haveria pessoa *[como somos a imagem mais perfeita das Pessoas Divinas somos chamados também - PESSOA, e como a Trindade é pura relação, Edith quis dizer que se existisse somente um ser humano, não haveria como atribuir o termo pessoa, pois o Pai está em relação com o Filho, gerando o Espírito Santo]. 
É na comunidade humana que o homem adquire sentido e valor, individualidade. O estar no mundo para servir a humanidade, que caracterizou sua busca pela verdade, não é simplesmente fruto de um altruísmo e sim do convencimento do valor de todo indivíduo para a vida comunitária ou social. O desenvolvimento do ser do homem depende de sua posição frente aos seus semelhantes. O ser relacional é efeito desta energia espiritual presente em toda pessoa, que a abre para o outro superando os limites da própria subjetividade. É uma exigência implícita na pessoa, que pode ser obstaculizada, porém que sempre está exigindo na pessoa, sobrepassar seus horizontes para realizar-se a si mesma, integrando em si o mundo dos valores, dos objetos, das experiências, das pessoas. Só assim se entende e se explica o porquê a pessoa se realiza e alcança plenamente sua felicidade no amor: é o ato espiritual supremo, do qual é capaz por sua espiritualidade.
Dizer que o homem é um ser relacional-espiritual é dizer que o homem é capaz de amar e de amar a Deus. Com a relação entre comunidade-indivíduo, o homem não só se realiza, mas também contribui desde sua entrega (a realização de seu ser, de sua vocação, de seu trabalho...) para que a comunidade se desenvolva. Para Stein não há oposição entre indivíduo e comunidade (sempre que ambos sejam autênticos). A comunidade não é uma summa de indivíduos. É a realização de individualidades em um âmbito de relações intersubjetivas, ou seja, todos e cada um são sujeitos (eus) com um nome, e não objetos ou números. Uma comunidade que suprime o indivíduo deixa de ser comunidade. E um indivíduo que prescinde da comunidade, não desenvolve sua individualidade própria e característica, mas uma falsa imagem ou pretensão da mesma. No plano religioso do cristianismo, isto adquire um valor sólido, sobretudo se contemplado à luz do mistério eclesial como Corpo Místico de Cristo.

Edith foi declarada co-patrona da Europa em 1999. Não se trata, porém, de um simples título honorífico. Encerra em si uma significado paradigmático, até profético, para o homem e a mulher de hoje. 

Elementos paradigmáticos que Stein nos oferece como incitação à sociedade e à busca da autêntica humanização:

1 - Recuperação da dignidade inalienável de todo ser humano em si mesmo.
Perigos desumanizadores.
2 - Importância central da formação e da educação. Toda formação que não leva em conta o desenvolvimento integral da pessoa espiritual-anímica-corporal, conduz à despersonalização. Compreensão mais completa possível do ser humano!
3 - Bases orientadoras para um feminismo cristão *[um sadio feminismo].
Recuperar o valor da mulher em todos os níveis. 
4 - Passo para o aspecto experiencial da religião. Superar o ritualismo da religião.
A vocação de todo ser humano é a união com Deus e o autêntico descobrimento do sentido da vida.


Francisco Javier Sancho Fermin, Ávila, 28 de fevereiro de 2003.

Tradução do espanhol para o português: Gabriel Mauro da Silva Rosa. 

* [ ] Observações do tradutor.

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