quarta-feira, 5 de julho de 2017

O Retrato de Dorian Gray: arte, vida, aparência e sociedade.

Imagem do filme inspirado no romance.

Oscar Wilde (1854-1900) foi, além de escritor, um dos maiores dramaturgos de Londres (1880). Envolveu-se em muitas polêmicas, entre elas, sua prisão por práticas de homossexualidade, que, na época, era considerado um crime. No cárcere, a escrita se tornará a sua maior aliada. É o autor da famosa obra O Retrato de Dorian Gray, seu único e polêmico romance, considerado por muitos críticos como obra prima da literatura inglesa. Nele, o autor trata da vida, da arte, da vaidade e das manipulações humanas. É uma afronta ao "bom mocismo" burguês. É uma denúncia da "aparente" sociedade vitoriana e suas múltiplas máscaras. Dorian é um personagem bom, mas que será corrompido. Ele deseja a beleza "eterna" a todo custo, fazendo um pacto demoníaco. No prefácio da nova edição, Wilde se posiciona e sintetiza suas ideias principais: a obra é um conjunto de aforismos sarcásticos sobre arte, vida e sociedade. É a vida transplantada para a arte, vivê-la como representação da arte. Os personagens querem viver como se estivessem vivendo a arte e não a vida. Há em Dorian uma recusa pelo realismo, satanizando sua vida: "que a arte viva a vida por mim." É a representação como custa da decadência moral. Wilde traz a questão faústica para a obra, adaptando-a para seus anseios esteticistas. Fausto é aquele que experimenta os prazeres mundanos e sua alma entra cada vez mais em decadência. Dorian é aquele que, com seu anseio pela arte, põe sua alma a perder, pois não suporta a realidade da vida. Lord Henry e Sir. Chiltern surgem como Mefistófeles. São a representação da sociedade vitoriana e sua dissimulação (moral, política e familiar). Por trás da aparência, revelam uma alma apodrecida. Sybil Vane representa a essência. Ao se apaixonar por Dorian, perde o gosto totalizado pela arte e passa a viver a vida (a essência). Com isso, Dorian a rejeita, pois isso fere ao seu princípio de vida esteticista, para quem a arte (a beleza) está acima da vida (da moral). O personagem rejeita Sybil, pois a beleza está acima de qualquer sentimento (moral). A personagem, ao se apaixonar, passa a viver a moral, a essência (o amor), contrário aos princípios de Dorian. Há aqui a imagem da aparência versus a essência. A obra ainda traz a imagem do narcisista e do hedonista: Gray é uma personalidade centrada em si mesma, incapaz de amar aos outros. É aquele que busca a beleza a todo custo e rejeita o amor dos demais. É a imagem do hedonista, que busca se satisfazer com o prazer de sua juventude. O Retrato de Dorian Gray é a denúncia de uma sociedade aparente, antiga, porém atual; a eterna luta entre aparência e essência. Oscar Wilde faz da escrita mais do que uma obra de arte: faz uma denúncia, fazendo-nos ver e refletir sobre as nossas próprias atitudes. O Retrato de Dorian Gray é uma obra rica em todos os sentidos, podendo ser analisada sob diversos ângulos.


Gabriel Mauro da Silva Rosa.
Licenciado em Letras. Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM.


Oscar Wilde
  
Oscar Wilde e Lord Alfred Douglas, seu suposto amante.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Walt Whitman em “Canção da Estrada Aberta”: a poesia como arte democrática.


Walt Whitman
Walt Whitman (1819-1892) foi um dos poetas mais engenhosos da literatura inglesa. Nascido no norte de New York, era um homem extremamente perceptivo. Trabalhou em vários sub-empregos: foi tipógrafo e jornalista. Sua primeira obra foi Folhas de relva, uma obra, inicialmente, incompreendida, por trazer poemas com temática de difícil compreensão. Nessa obra, o autor fala em celebrar a si mesmo, fala sobre um eu universal, uma espécie de projeção de uma espiritualidade humana. Viveu o período de evolução dos Estados Unidos, que se firmava, cada vez mais, como uma das maiores potências mundiais. Nesse período surge na literatura várias temáticas. Whitman busca na democracia a sua inspiração. Busca nos mitos greco-latinos exemplos de caráter, de democracia e de amor. Para ele, a poesia lírica é arte democrática, é para o povo, massa universal. Para que se compreenda suas poesias, e, consequentemente, a sua originalidade, é preciso ter em vista a influência de Hegel sobre o autor. Para ele, a democracia precisa estar ao alcance de todos, assim como a arte. A poesia é como capim (Folhas de relva). Ora, capim brota em qualquer lugar, logo, a poesia deve ser como o capim, deve estar ao alcance de todos. Fala, ainda, de um eu como representação de uma totalidade poética, avançando para o plano do místico: o eu como uma espécie de supra-alma. Cada um de nós tem uma alma que comporta nossa história individual (tudo o que compõe o nosso ser). Além da alma, há algo ainda mais além, a supra-alma, que está em todas as pessoas, independentemente do espaço e do tempo, além da cultura, da religião etc. Quando Walt começa as linhas com eu canto a mim mesmo, não significa que o autor está se supervalorizando, mas celebrando a supra-alma presente em cada um de nós. Eis a influência de Hegel em sua poesia. Seu escrito Canção da estrada aberta é um canto à liberdade. O eu lírico, já desapegado de tudo e de si mesmo, põe-se à caminho rumo ao seu ideal (a sua utopia política). É um convite estendido a todos os que o quiserem seguir. No caminho, rumo ao ideal, não será preciso muita coisa. Cada homem trará consigo o compromisso do eu, da supra alma, que, na verdade, é de todos e está em todos de modo universal: a liberdade, a vida, o Bem. A estrada passa a ser mais que poesia "você me expressa melhor do que consigo me expressar, você há de ser, para mim, mais do que meu poema. É uma metáfora, a via que leva ao além, à liberdade. O eu lírico toma consciência de suas potencialidades: não sabia que guardava em mim tanta bondade. Ele deseja unir toda a humanidade em torno de seu ideal, seja quem for. Todo homem traz a sabedoria em sua alma, ela lhe é intrínseca. Não é aquela transmitida nas escolas ou de indivíduo para indivíduo, mas aquela que cada um traz dentro de si. Não há como provar tudo: o mistério basta; filosofias e religiões não provam muita coisa. O eu lírico se entusiasma perante o mistério da vida, com aqueles que o seguem (espiritualmente) e desejam que seu ideal chegue à todos os homens. Mas estes devem ser corajosos e destemidos. Se forem fracos, não deverão se colocar à caminho, pois a estrada é para os corajosos e fortes. Em suma, Whitman é o poeta da democracia, da poesia como arte democrática, e deseja que ela se estenda à toda a humanidade, unidos pela supra-alma, que abraça e une todos os indivíduos: o Bem, a humanidade ideal, sem corrupção e sem mazelas.

Escrito por: Gabriel Mauro da Silva Rosa.
Licenciado em Letras . Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM.



Versão em vídeo de Canção da Estrada Aberta (apenas trechos): 


domingo, 2 de julho de 2017

Século XXI: relações humanas e tecnologia.

Mafalda.
O que ofereço aqui, não é uma visão pessimista sobre relações humanas e tecnologia, mas sim uma reflexão realista sobre nossa condição atual. Basta perceber que muitas coisas mudaram: surgiram novas tecnologias que facilitaram não só a nossa rotina, mas também a nossa relação e comunicação. Nós criamos novos meios e nos tornamos dependentes deles. Ficar um minuto sem a internet por causa de problemas técnicos, por exemplo, é um motivo para o nosso desconcerto. O que deveria ter sido nossa evolução não tem sido o nosso regresso? Há quem diga que o ser humano não estava preparado para receber as novas tecnologias - celulares modernos e cada vez mais sofisticados:  a possibilidade não só de ouvir, mas de ver o outro (a), aplicativos que com um simples toque realizam transferências bancárias, isto somente para citar alguns exemplos. Acredito que o ser humano sempre esteve (e está) preparado para suas próprias descobertas. A questão não é sua falta de preparo e sim sua maturidade. Há aqueles que convivem de forma harmônica com a tecnologia, mas há também aqueles que se tornaram os seus escravos. Há quem não saiba dar atenção ao outro por estar o tempo todo conectado com as redes sociais, se relacionando de forma artificial, mas há também aqueles que ainda são capazes de oferecer calor humano. A atual geração cresceu (e cresce) com o conforto das novas tecnologias, porém grande parte não tem maturidade para utilizá-la. Diante disso, é preciso que os educadores sejam inovadores e ensinem seus filhos (alunos) a utilizar com criticidade a tecnologia. É preciso que eles os ensinem (e os inspirem com o seu exemplo), a criar laços fora das redes sociais, a serem calorosos, acolhedores e sensíveis. Infelizmente muitos pais (e também professores) se tornaram escravos da modernidade, não sendo capazes de ensinar aos filhos (e alunos) - pois o maior de todos os ensinamentos é o exemplo. É preciso que todos nós sejamos maduros e críticos diante de nossas próprias atitudes. A famosa personagem de quadrinhos - Mafalda - nos leva a questionar: "A vida moderna não tem mais de moderna do que de vida?" E com isso podemos nos perguntar: Será que temos realmente vivido? O quanto somos presos ao conforto da tecnologia? Temos criado laços, temos sido sensíveis às dores alheias? Tenho tido tempo para mim e para meus filhos de forma natural e humana sem que os meios tecnológicos o atrapalhem? O quanto sou deles dependente? É preciso pensar e repensar sobre nossas atitudes e mudá-las. É preciso que sejamos maduros e que nunca esqueçamos o que mais precioso nos foi dado: a nossa própria humanidade, o calor humano, a vida. E não podemos permitir que a tecnologia nos roube a nossa maior dignidade: o pensamento.  

Escrito por: Gabriel Mauro da Silva Rosa.

sábado, 1 de julho de 2017

Fichamento, anotações e síntese sobre fenomenologia da religião.


A religião e a dinâmica da sua manifestação. A oração como tema da fenomenologia. 

Autor: João J. Vila-Chã.

Revista de filosofia - v. 35, nº III.

Aspectos importantes:

Não é fácil dizer da religião enquanto fenômeno. O termo - fenomenologia da religião - passou a ser utilizado por numerosos estudiosos, mas sempre com o mesmo sentido. Alguns estudiosos, tais como o autor holandês P. D. Chantepie de la Saussaye ou os historiadores da religião escandinavos - Geo Widengren e Ake Hultkrantz, para os quais a fenomenologia da religião significa o estudo comparativo e a classificação dos diferentes tipos de fenômenos religiosos. Esta diferencia-se pela ausência de atenção à metodologia propriamente fenomenológica, o uso do método, conceitos e processos de verificação propriamente fenomenológicos. 
Há o grupo de investigadores, como M. Eliade, que identificam a fenomenologia da religião como um ramo, disciplina ou método dentro do universo mais abrangente da Religionswissenschaft. Há o grupo de investigadores cuja fenomenologia da religião foi influenciada pela fenomenologia como corrente filosófica, como Max Scheler e Paul Ricouer. R. Otto, Van der Leew e Eliade, que usaram o método fenomenológico e foram influenciados, pelo menos em parte, pela filosofia fenomenológica. Fenômeno - do grego phainomenon (aquilo que se mostra a si mesmo ou aquilo que aparece). Para Herbert Spiegelberg, o termo fenomenologia tem raízes filosóficas e não filosóficas. Ex.: ciências naturais, no campo da física - o que não é filosófico. Do ponto de vista filosófico, o primeiro uso do termo - fenomenologia - foi usado por Joham Heinrich Lambert, filósofo alemão, em seu Neues Organon, onde define o termo como teoria da ilusão. 
Kant - fenômenos são dados da experiência, coisas que aparecem e que são construídas pela nossa mente. Para o filósofo são noumena ou coisas em si mesmas, independente de nossas mentes, passíveis de serem estudadas de modo racional, científico e objetivo. Para Hegel, que estava determinado a superar a bifurcação kantiana entre fenômeno e noumena - fenômenos eram os estágios atuais do conhecimento, manifestações no desenvolvimento do Espírito, evoluindo desde formas primitivas de consciências de meras experiências sensoriais e culminando nas formas do conhecimento absoluto. Fenomenologia é a ciência pela qual a mente se torna consciente do desenvolvimento do Espírito e chega a conhecer sua própria essência, ou seja, o Espírito tal qual é em si mesmo, mediante o estudo das aparências e manifestações. 
Séculos XIX e XX: alguns filósofos usaram o termo, como Willian Hamilton, em suas Lições de Metafísica (1858) em referência à fase da psicologia empírica, Eduard von Hartmann etc. 
Fenomenologia: descrição de uma determinada matéria como disciplina descrevendo fenômenos observáveis. 
Século XX: Edmund Husserl e seus seguidores. Dividiu-se em transcendental (Husserl), existencial (Sartre) e hermenêutica (Heidegger). O que interessa aqui é falar sobre o fenômeno religioso.
Religionswissenchaft surgiu com Muller (1823-1900). Este entendia a fenomenologia da religião como ciência descritiva e objetiva, livre em relação ao caráter normativo dos estudos teológicos e filosóficos da religião. A fenomenologia da religião visa uma descrição corrente de todos os fenômenos da religião.
Para Kristensen, o fenomenólogo deve aceitar a crença daqueles que acreditam (os crentes) como sendo a única realidade religiosa. Devemos evitar impor nossos juízos, assumindo os religiosos como certos (acolher a realidade). O foco é como os crentes compreenderam e compreendem a sua fé.
O fenomenólogo deve respeitar o valor absoluto que os fiéis atribuem à sua fé. Nunca experimentaremos a religião dos outros, tal como os crentes a compreendem. O nosso entendimento é relativo. 


Fichamento e anotações pessoais - Gabriel Mauro da Silva Rosa.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Apontamentos III. Tradução. Introdução às Obras Completas IV de Edith Stein.


Escritos Antropológicos e pedagógicos. 


Autor (a): Edith Stein.

Organizadores e tradutores: Julen Urkiza e Francisco Javier Sancho.

Introdução Geral. 
   

A carta que Edith Stein escreveu ao santo padre demonstra a intuição da mesma frente ao grande acontecimento histórico - o regime nazista, acontecido na Alemanha. Esta carta nos mostra o atentado contra a pessoa humana e contra sua dignidade. Edith, buscadora da verdade que é, não podia se calar. A filósofa demonstra em todas as suas obras o amor pelo ser humano. Era dedicada, orante, sensível, modesta, enfim, era um exemplo para todos que a rodeavam. Na escola é dedicada às alunas, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto humano-espiritual. Edith não é teórica quando fala da vida cristã e da educação, ela simplesmente reflete aquilo do qual está profundamente convencida. A santa será uma mulher que vai se distinguir sempre por seu realismo, que a leva a um modo de atuar profundamente solidário, apesar das múltiplas ocupações e de viver em um ambiente fechado. Ajudava, em silêncio, as famílias mais necessitadas de Espira. Em 1926, sobretudo em 1928, inicia suas conferências. Stein era apaixonada pela liturgia da Igreja. Para assumir uma cátedra, a filósofa necessita apresentar um trabalho de habilitação, uma espécie de nova tese doutoral. Se retira na cidade de Friburgo, no convento de Santa Lioba, ao pé da Selva Negra, a fim de se concentrar neste trabalho. O fruto será Potência e Ato. Não chega a assumir tal posto, porém recebe um pedido para ser professora no Instituto Alemão de Pedagogia Científica, em Munster. Com isso, ela poderá dar continuidade às suas investigações e desenvolver suas múltiplas conferências. O primeiro curso aconteceu no verão de 1932 - Título: Problemas da formação da mulher. 
No inverno de 1932-33, dedica suas classes ao tema Estrutura da Pessoa Humana. O terceiro curso, no verão de 1933, como continuação do anterior e com o tema: Que é o homem? A antropologia da doutrina católica da fé, que infelizmente não chegou a ministrar. No dia 30 de janeiro de 1933, Hitler sobe ao poder. Em 1º de abril surge a lei proibindo os judeus de ocuparem cargos públicos. Edith é impedida de seguir com suas classes em Munster e também com suas conferências públicas. Eis que começa uma nova etapa em sua vida, que a levará a realizar o seu sonho de se tornar uma monja carmelita. 

As obras de Edith tem como princípio básico formar o homem e a mulher como seres humanos (cristãos) integrais. Uma espiritualidade cristã ao alcance de todos, uma pedagogia fundamentada em uma compreensão teológico-bíblico do homem, o ser e a existência da mulher e a antropologia cristã. Edith centra sua atenção na liturgia e na eucaristia. Não lhe escapam as funções pedagógicas, culturais e celebrativas, sua atenção centra-se no mistério que ali se celebra. O viver eucarístico é a chave de uma autêntica vida cristã. Quem participa empaticamente e se co-sacrifica com Cristo, necessariamente deixa que se faça efetiva nele a salvação e que busque levá-la aos outros. 
Viver eucaristicamente, segundo a nossa autora, significa a dedicada vontade de sair de si mesmo, crescer no amor, empenho no seguimento de Cristo e caminhar com a filiação divina. A atenção de Stein se orienta para uma formação integral da pessoa. O ser humano, que é o material da educação, deve ser conhecido de antemão, isto é, há que se ter um conceito o mais claro possível de sua natureza, ser, origem e fim. Sem estes elementos preliminares, a pedagogia caminha para o fracasso.
As fontes da pedagogia cristã, não podem ser somente a filosofia, a psicologia e outras ciências humanas. Se queremos ter uma imagem global do homem, haveremos de recorrer à Revelação, às Escrituras, à teologia e às experiências dos místicos - grandes conhecedores da vida íntima do homem. Só então poderemos alcançar uma visão o mais completa possível do ser humano. 

Edith refletiu bastante sobre a mulher.
Stein leva-a a tomar consciência de seu ser diverso. O homem domina a terra, A mulher é sua companheira, esposa, que o ajuda nesta tarefa. Característica especificamente feminina é a maternidade - (Cf. Gn 1, 28), elemento este que a filósofa desenvolve repetidamente ao longo de seus escritos. Seu modo de ser é mais orientado para o vivo e para a contemplação. A virgindade consagrada tem um enorme valor para Edith. Como mãe, a mulher desenvolve sua vocação sendo o coração da família e a alma da casa. É educadora dos filhos, ajuda o homem a ser o que ele tem que ser. A autora apresenta algumas imagens que resumem o ser da mulher: mãe dos viventes, mulher forte, esposa de Cristo e símbolo da Igreja.
Maria, a mãe de Deus, é modelo de vida cristã para a mulher e para toda a humanidade. Em sua primeira etapa - filósofa fenomenóloga, não cristã - o conceito que conquista do ser humano é objetivo, no sentido de que não se deixa condicionar por nenhuma escola ou ideologia. Vai ser fruto da observação e do estudo fenomenológico de seu próprio ser e de quantos a circunda. Quando toma contato com a Revelação, isto é, quando se converte ao catolicismo, os conceitos que definem o humano se ampliam pelo fato de ter feito uma profunda experiência pessoal, pelo mistério de Cristo e a observação experiencial dos místicos, em especial, Teresa de Jesus e João da Cruz. 

Em A Estrutura da Pessoa Humana, há elementos que definem o ser do homem:

1 º - É pessoa, isto é, possui uma individualidade e é capaz de se relacionar,
2º - É livre, capaz de marcar um rumo e de dar sentido à sua vida.
3º - É espiritual, ou seja, um ser racional e capaz de transcender-se a si mesmo, acolhendo e se abrindo para o outro. É capaz da empatia plena.
Terminologicamente falando, o homem-pessoa se define como: espírito, liberdade, individualidade e relação. Se o homem se desfizer de qualquer um destes elementos, sua personalidade, sua humanidade, será frustrada. 

O homem como espírito - Edith quer evidenciar o propriamente humano, comparando-o com os seres inferiores *[próprio da fenomenologia]: matéria, plantas e animais. O que distingue o ser humano não é só sua capacidade de raciocínio, mas sua capacidade de sair de si, de transcender os limites da própria fisicidade e sua capacidade de acolher seu semelhante. O homem se compreende como um ser transcendente, um ser que não esgota sua materialidade e sensibilidade, como um ente que tende sempre ao mais e que descobre desde um olhar sincero e objetivo de si, que não encontra a realização de seu ser em si mesmo. 

Homem: corpo-alma-espírito. Se uma pessoa descuida de quaisquer de suas partes, não desenvolverá a plenitude de seu ser. O resultado: o sem sentido e o vazio da existência. 

Liberdade - Para Stein não é só a capacidade de optar. Não é algo que se dá, mas que se conquista. O ser humano é livre na medida em que alcança e conquista seu ser, na medida que se faz capaz de optar por aquilo que é melhor para si, aquilo que lhe perfecciona. Este tema - liberdade - é para Stein essencial, visto que sem liberdade não há pessoa. Esta liberdade não é sempre conquista do homem, que marcado pelo pecado é incapaz de chegar com suas próprias forças ao mais profundo de seu ser. Necessita da ação da graça para poder conquistar seu próprio centro, o centro da liberdade, e realizar ali o ato mais livre da liberdade: entregar-se totalmente à vontade divina. 

Individualidade - Em sua obra aparece constantemente, disperso em muitos momentos. A individualidade em Stein tenta recuperar para toda pessoa sua capacidade de ser, sua personalidade ou sua irrepetibilidade. E é aqui que ela faz resplandecer a dignidade e a vocação do ser humano. O humano não é um ser vazio.
Carrega consigo um eu próprio que deve conhecer para poder se realizar.  Aí radica uma das principais chaves da realização e da plenitude de todo ente humano: ser si mesmo. 
A individualidade só alcança sua plenitude com o ser divino. É nele que o ser humano descobre seu ser originário e sua vocação, seu ser individual, porém aberto e formando parte de um grupo que deve encarar e desenvolver sua individualidade. A individualidade é o maior tesouro que o homem possui. Não é algo acidental, nem sequer na vocação à união com Deus e sim algo essencial à mesma. 

A relacionalidade para Stein - Ser pessoa implica necessariamente relação. A mesma estrutura do ser humano enquanto espírito, está exigindo a abertura. Se existisse somente um indivíduo, o que é impossível, não haveria pessoa *[como somos a imagem mais perfeita das Pessoas Divinas somos chamados também - PESSOA, e como a Trindade é pura relação, Edith quis dizer que se existisse somente um ser humano, não haveria como atribuir o termo pessoa, pois o Pai está em relação com o Filho, gerando o Espírito Santo]. 
É na comunidade humana que o homem adquire sentido e valor, individualidade. O estar no mundo para servir a humanidade, que caracterizou sua busca pela verdade, não é simplesmente fruto de um altruísmo e sim do convencimento do valor de todo indivíduo para a vida comunitária ou social. O desenvolvimento do ser do homem depende de sua posição frente aos seus semelhantes. O ser relacional é efeito desta energia espiritual presente em toda pessoa, que a abre para o outro superando os limites da própria subjetividade. É uma exigência implícita na pessoa, que pode ser obstaculizada, porém que sempre está exigindo na pessoa, sobrepassar seus horizontes para realizar-se a si mesma, integrando em si o mundo dos valores, dos objetos, das experiências, das pessoas. Só assim se entende e se explica o porquê a pessoa se realiza e alcança plenamente sua felicidade no amor: é o ato espiritual supremo, do qual é capaz por sua espiritualidade.
Dizer que o homem é um ser relacional-espiritual é dizer que o homem é capaz de amar e de amar a Deus. Com a relação entre comunidade-indivíduo, o homem não só se realiza, mas também contribui desde sua entrega (a realização de seu ser, de sua vocação, de seu trabalho...) para que a comunidade se desenvolva. Para Stein não há oposição entre indivíduo e comunidade (sempre que ambos sejam autênticos). A comunidade não é uma summa de indivíduos. É a realização de individualidades em um âmbito de relações intersubjetivas, ou seja, todos e cada um são sujeitos (eus) com um nome, e não objetos ou números. Uma comunidade que suprime o indivíduo deixa de ser comunidade. E um indivíduo que prescinde da comunidade, não desenvolve sua individualidade própria e característica, mas uma falsa imagem ou pretensão da mesma. No plano religioso do cristianismo, isto adquire um valor sólido, sobretudo se contemplado à luz do mistério eclesial como Corpo Místico de Cristo.

Edith foi declarada co-patrona da Europa em 1999. Não se trata, porém, de um simples título honorífico. Encerra em si uma significado paradigmático, até profético, para o homem e a mulher de hoje. 

Elementos paradigmáticos que Stein nos oferece como incitação à sociedade e à busca da autêntica humanização:

1 - Recuperação da dignidade inalienável de todo ser humano em si mesmo.
Perigos desumanizadores.
2 - Importância central da formação e da educação. Toda formação que não leva em conta o desenvolvimento integral da pessoa espiritual-anímica-corporal, conduz à despersonalização. Compreensão mais completa possível do ser humano!
3 - Bases orientadoras para um feminismo cristão *[um sadio feminismo].
Recuperar o valor da mulher em todos os níveis. 
4 - Passo para o aspecto experiencial da religião. Superar o ritualismo da religião.
A vocação de todo ser humano é a união com Deus e o autêntico descobrimento do sentido da vida.


Francisco Javier Sancho Fermin, Ávila, 28 de fevereiro de 2003.

Tradução do espanhol para o português: Gabriel Mauro da Silva Rosa. 

* [ ] Observações do tradutor.

Apontamentos II. Escritos Antropológicos. Obras Completas IV - Edith Stein.


Estas anotações são fruto de fichamento pessoal e tradução livre de trechos da Conferência nº 24 dos Escritos Antropológicos e Pedagógicos (Obras Completas IV) de Edith Stein. Páginas 422 à 442.

Título: Formação da juventude à luz da fé católica. 

Edith começou sua tarefa como conferencista em 1926 e teve que terminar suas atividades por causa da situação sócio-política adversa aos judeus, em 1933.

- Na nota de rodapé: "A seguinte exposição surgiu como motivo de uma conferência em Berlim, no dia 5 de janeiro de 1933, no marco de um curso do instituto alemão para a pedagogia científica, que devia assinalar os princípios gerais de uma pedagogia católica. Já que as conferências antecedentes tinham como base o fundamento natural do conhecimento, minha tarefa foi a de me embasar nas fontes sobrenaturais" (E. Stein).

Significado da fé e das verdades de fé para a ideia e o labor da formação.

Primeiro ponto importante: 

O naturalista é aquele cuja realidade é captada através dos sentidos, da razão. A formação para um naturalista se realizará somente com meios naturais. Para o crente, o mundo é um mundo de Deus, tudo o que existe foi criado por Ele, tudo o que se sucede, sucede segundo seus planos ou pelo menos está previsto por Deus e introduzido em seu plano. O que os homens efetuam, o fazem como "causae secundae" [...] como instrumentos da providência divina. Edith Stein afirma que aqueles que se deixam guiar pela luz da fé, na formação da juventude, tem à sua disposição a encíclica "Divini Illius" (lançada em 31 de dezembro de 1931 pelo Papa Pio XI). Stein afirma que o material é ilustre, visto que o papa é um representante de Cristo na terra. Afirma que o formador deve ter em mãos - principalmente - os livros do Antigo e do Novo Testamento, ou seja, a Revelação. "O Espírito sopra onde quer" (Jo 3, 8). Quem está seguro em sua fé e ademais em virtude de seu cargo, poderá confiar que será guiado pelo Espírito. Stein induz a se deixar guiar pela encíclica e das fontes que ela indica. 

1. A concepção católica da natureza humana 
1º. É indispensável a ideia de homem. Para quem crê na bondade da natureza humana, a educação é, sem dúvida, ou totalmente supérflua, dado o pressuposto natural de que a natureza se desenvolve por si mesma ou será uma atividade bastante fácil e agradável. 
O homem deve ser visto em sua totalidade. 
O espírito unido ao corpo na unidade da natureza, com suas faculdades naturais e sobrenaturais "tal como o conhecemos por meio da razão e da revelação" - o homem decaído, mas que por Jesus Cristo foi redimido e reintegrado ao seu estado de filho adotivo de Deus. O homem era originalmente bom, mas pelo pecado, sua natureza se perverteu - por Cristo, o caminho que conduz à filiação Divina - foi libertado e com isto aberta a oportunidade de uma reinstauração da justiça originária. Porém o homem redimido não recuperou o estado originário, permanece "fomes pecati" (inclinado ao pecado). Seu caminho neste mundo é uma luta pela justiça perdida. A graça de Deus está atuando nele e por ele, e realiza o essencial: é esta a que definitivamente conduz o homem à perfeição na glória. 
Os alunos e educadores são seres humanos "in statu viae" (estado de peregrinação). 
Corpo e alma são uma unidade: o espírito necessita do corpo como instrumento do conhecimento. O conhecimento humano baseia-se em dados sensoriais, ligados aos órgãos corporais. Os sentidos estão submetidos ao engano, as enfermidades e as debilidades do corpo obstaculizam o espírito a levar adiante os seus projetos.
É próprio da natureza decaída que os instintos corpóreo-sensoriais não queiram se subordinar ao espírito, que anseiem o domínio, e, se cede, sufocam toda a vida espiritual superior. O homem é capaz de conhecer, porém está submetido ao erro. Pode ceder aos instintos ou dominá-los. Pode aspirar ao conhecimento do bem e colocá-lo em ato.
Em estado de graça, o homem está protegido pela força do Espírito Santo de tal modo que não sucumba ao perigo. Conseguir a graça - permanecer e progredir nela - depende da colaboração do ser humano. Não há educação humana que possa levar a pessoa fora do "status viae", pois não há nenhuma seguridade definitiva contra a debilidade, a enfermidade, o engano, o erro e o pecado, visto que o educador em sua labor educativa, permanece submetido a estas carências. O "status termini" é possível somente para Deus. 
Em estado de graça o homem regressa à relação filial com Deus.

O fim do homem

O "status viae" indica algo de transitório - trânsito para uma meta.
O fruto da educação deve ser "o cristão autêntico, o homem sobrenatural que constante e correntemente pensa, julga e age conforme a sã razão, iluminada pela luz sobrenatural do exemplo e do magistério de Cristo. 

...

Tradução livre: Gabriel M. S. Rosa.

Apontamentos I. Apêndice. O Castelo Interior - Edith Stein.


Estas anotações são apontamentos pessoais e algumas traduções de trechos do apêndice O Castelo Interior da obra (em espanhol) de Edith Stein: Ser finito e Ser Eterno: ensaio de uma ascensão ao sentido do ser.

- Alma: centro de todo o edifício físico-psíquico-espiritual que chamamos homem. Baseia-se nos grandes mestres da vida de oração. Santa Teresa de Jesus expressa com grande facilidade e riqueza suas experiências interiores. Chega ao mais alto grau da vida mística. 
Resultado: uma grande obra de arte. 
Objetivo da santa: religioso prático.
A santa se expressa como uma mãe às suas filhas. Fala com plena liberdade. Para o leitor que tem a intenção de estudar o profundo da alma humana lhe parecem flores. 
O corpo: é o muro que cerca o castelo. Os sentidos e potências espirituais (memória, entendimento e vontade) são às vezes como vassalos e às vezes como sentinelas, em suma, moradores do castelo.
A alma e seus numerosos aposentos: é semelhante ao céu, no qual há muitas moradas (Jo 14,2). A alma do justo é um paraíso no qual Ele disse que tem seus diletos (1 Mt 1, 1).
No centro está o Rei. 
Fora do mundo das muralhas que rodeiam o castelo se estende o mundo exterior.
No interior Deus habita.
Seis moradas que circundam a mais interior (a sétima). Os moradores que andam por fora ou estão no muro ou não sabem nada do castelo. Estranho, situação patológica, alguém que não conheça sua própria casa. Há muitas almas assim, enfermas, centradas em coisas exteriores, o que parece que não há remédio, não entram dentro de si. Estas almas desaprenderam a rezar. Para que estas almas possam entrar (em seu próprio castelo, sua interioridade), a porta é a oração e a consideração. 
A primeira morada é o conhecimento de si mesmo. Não se levanta os olhos para o Ser Eterno sem conhecer a própria baixeza. Conhecendo bem a nós mesmos, nós conheceremos a Deus.
Jamais nos conheceremos plenamente. Nesta morada, a alma ainda não enxerga a claridade da luz.
Na segunda morada, a alma já percebe certos chamados de Deus. 
Na terceira morada se encontram as almas que acolheram de coração os chamados de Deus, se esforçando por ordenar sua vida conforme a vontade divina. Se preservam do pecado (venial), são dedicadas à oração, à penitência e às boas obras.
- Qualquer impulso que mova o homem a entrar em si mesmo e o encaminhe para Deus, deve ser visto como um efeito da graça.
- A fé vem do ouvido. Até aqui, a alma não experimentou nada da presença de Deus em seu interior.
As graças extraordinárias ou místicas começam na quarta morada.

Há muitas coisas que cercam o interior do homem. Por isso, Teresa de Jesus não poderia deixar de esclarecer em quê consiste este mundo interior. Logo, descreve o homem como um castelo onde há muitas moradas e aposentos. O corpo é o muro que cerca o castelo. Os sentidos, bem como as potências espirituais (memória, entendimento e vontade) são às vezes vassalos e às vezes sentinelas, são os moradores do castelo (o homem). A alma, com seus numerosos aposentos, se assemelha ao céu, no qual há muitas moradas (Jo 14, 2). A alma do justo é um paraíso onde Ele tem os seus deleites (1 Mt 1, 1). Fora das muralhas que rodeiam o castelo, se estende o mundo exterior.
No mais íntimo habita Deus. Neste grande castelo, que é o homem, há sete moradas. Os moradores que andam por fora do castelo não sabem nada do interior. É uma coisa estranha, uma situação patológica, alguém que não conheça sua própria casa. Porém, há muitas almas assim, tão enfermas e centradas em coisas exteriores que não há remédio, nem parece que podem entrar dentro de si, pois já estão acostumadas com o que está no interior do castelo (1 Mt 1,6). 
Para Teresa, estas almas perderam o costume de rezar. A porta para adentrar no castelo é a oração e a consideração. 
- Primeira morada: conhecimento de si mesmo. Reconhecer as nossas baixezas, fraquezas perante o Rei (Deus). Jamais nos conheceremos se não procurarmos conhecer a Deus: olhando sua grandeza, enxergamos nossa baixeza; olhando sua limpidez, veremos nossa obscuridade; considerando sua humildade, veremos o quanto estamos longe de sermos humildes (1 Mt 2, 9). Nesta primeira morada, ainda não se enxerga quase nada da luz que sai do palácio onde o Rei se encontra (1 Mt 2, 14). 
A alma está apegada às coisas mundanas, por isso ela ainda não enxerga a luz. Ela ainda não tem conhecimento sobre si mesma, não nota a presença viva de Deus, mesmo quando fala com Ele. É empurrada rapidamente para fora.
- Segunda Morada: já recebe certos chamados de Deus. 
- Terceira Morada: as almas que acolheram de coração os chamados de Deus se esforçam constantemente por ordenar sua própria vida conforme a vontade divina. 
- A fé vem do ouvido.
Até aqui a alma ainda não experimentou nada da presença de Deus em seu interior. As graças místicas ou extraordinárias começam na quarta morada. 
Teresa fala da chamada oração de quietude. O interiorizar-se com Deus não se adquire com o entendimento por meio da imaginação - imaginando-o dentro de si.
Depende de Deus pôr a alma nesta quietude, quando e como Ele quer. A alma, na chamada oração da quietude, está como que em sonhos.
- Na quinta morada a alma entra na oração de união. Morta para o mundo para estar mais viva para Deus. O corpo está como que sem vida, as potências da alma em repouso. Está em um grau elevado de êxtase que nem o demônio ousaria atrapalhar sua relação com Deus. Durante a união, a alma não compreende o que está ocorrendo com ela. Ela fixa-se em Deus. Não tem dúvidas de que Ele esteve nela. Na união, Deus lhe marca com seu selo. 
O desejo de fazer a vontade de Deus e trabalhar pela salvação das almas, inclusive pela própria, é o melhor fruto da união.
- A sexta morada é o lugar de repouso para a alma. Ela é provada com os mais altos sofrimentos - externos e internos. Tem desconfiança. Deus a desperta. Será Deus mesmo, o demônio ou a própria imaginação?

II - As moradas sob a luz da filosofia moderna

A alma humana, enquanto espírito, é imagem do Espírito de Deus, tem a missão de apreender todas as coisas criadas, conhecendo-as e amando-as e deste modo, compreender a própria vocação e trabalhar em sua consequência. A morada mais interior está reservada ao Senhor da criação. Entrar em si mesmo significa acercar-se gradualmente a Deus. Como espírito e imagem do Espírito Divino, a alma não só tem conhecimento do mundo externo, como também de si mesma. É consciente de toda sua vida espiritual, é capaz de refletir sobre si mesma, inclusive sem entrar pela porta da oração. 
Teresa de Jesus sobre a alma humana: a alma é uma realidade espiritual-pessoal, o ser mais íntimo e específico. 
A alma é um eu (identidade pessoal).
O eu aparece como um ponto móvel dentro do espaço da alma.  

...

Anotações e tradução livre  - Gabriel Mauro da Silva Rosa.




O que é um pensador autêntico? O que é a filosofia?

Foto do museu Rodin. Estátua O Pensador.

O pensador autêntico é o pesquisador incansável, aquele que procura renovar, sempre, as perguntas formuladas no sentido de alcançar respostas que sejam condição das demais. A filosofia nasce da inquietação, da perplexidade: é um assombrar-se. O homem passou a filosofar quando viu-se cercado por mistérios, tomando consciência de sua dignidade de ser pensante. A filosofia não se contenta com respostas até alcançar as respostas para suas indagações.
É correto afirmar que a filosofia é ciência das causas primeiras ou das razões últimas. Interpretando essa frase, eis o que se pode dizer: tal ciência pretende elaborar uma redução conceitual progressiva até atingir juízos com os quais se possa legitimar uma série de outros juízos integrados em um sistema de compreensão total.
A universalidade se revela inseparável da filosofia. Um filósofo não descansa enquanto não atingir as razões últimas de suas indagações. Cada ente humano carrega o espírito do filósofo indagante, aquele que não descansa até alcançar as respostas para os seus questionamentos.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

A consciência e a Potência - Deus.


G. Van der Leeuw (1928).
A principal característica da fenomenologia é a abertura para o fenômeno. Tudo aquilo que se manifesta é um fenômeno - a pessoa humana, a história, a cultura, a arte etc. Uma das pesquisas mais originais no campo da fenomenologia são desenvolvidas em torno do ser humano e da religião. Gerard Van der Leeuw se apropria do método husserliano e analisa a consciência do homem religioso. De acordo com o filósofo, todo ser humano busca a potência ou o poder transferindo para o âmbito humano ou divino. Todos buscam algo que preencha o seu próprio ser: alguns do status que emana de sua profissão, outros na política, no dinheiro etc. No campo religioso, Leeuw afirma que o "homo religiosus gostaria de entender a vida para dominá-la e por isso procura sempre novos poderes superiores, porém toma consciência que jamais poderá superar a fronteira e que jamais poderá alcançar o poder supremo, mas é este que o alcança, de uma forma incompreensível e misteriosa" (BELLO, 1998, p. 109). Mesmo aquele que se diz ateu busca o poder, porém transferindo sua busca para sua própria humanidade, restando-lhe sempre a insuficiência. Torna sua própria insatisfação um absoluto, sem ser capaz de responder às perguntas: "por que procurar aquilo que satisfaz plenamente? de onde tira o ser humano a ideia de poder ser perfeito e poderoso e a consciência de não pode-lo ser? De onde vem a consciência?" (BELLO, 1998, p. 168). Todo homem, consciente ou inconscientemente, busca a Potência. Para a consciência religiosa, o verdadeiro poder é Deus e somente ele pode preencher nosso ser. Por meio da fé somos capazes de alcança-lo. No entanto, como demonstrou Stein em Ciência da Cruz, seremos colocados em um caminho tenebroso e imerso na noite, porém seguro - o caminho da fé. "É um caminho porque conduz à união com Deus; é envolvido em noite escura porque, comparado ao entendimento claro da razão natural, é obscuro. A fé nos leva a conhecer algo que não chegamos a ver bem claramente. O objetivo final do caminho é uma noite: nesta terra, mesmo ao atingir a união bem-aventurada, Deus permanece escondido de nós. O olhar de nosso espírito não é adaptado para sua excessiva luminosidade e enxerga como na escuridão noturna" (STEIN, 2002, p. 46). 

Escrito por: Gabriel Mauro da Silva Rosa.

Referências: 

BELLO, Angela Ales. Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica. Tradução de Antonio Angonese. 2º ed. Bauru, SP: Edusc. 1998

STEIN, E. Ciência da Cruz: Estudo sobre São João da Cruz. Tradução de D. Beda Kruse. 3º ed. São Paulo: Loyola, 2002. 262 p. 

terça-feira, 27 de junho de 2017

O escritor

O escritor não escreve para si, mas para os outros. Tudo o que ele quer é uma contestação, tudo o que ele quer é ser lido. O verdadeiro escritor não escreve por vaidade, mas porque as palavras, a realidade, o sufoca. Ele precisa expô-las de alguma maneira. Nas horas incertas, na solidão, quando menos espera, as palavras surgem e suplicam. 
Que coisa bonita são elas! Que coisa bonita é poder escrever! Graças a isso, o escritor desnuda a sua alma. As letras compõe o seu mosaico, elas se transformam em tudo o que ele é e o libertam. Alguns escritores se escondem atrás de um pseudônimo, pois, algumas vezes, não são eles quem falam, mas uma outra voz, uma outra parte de seu ser. Ser escritor tem esta vantagem: ser quem ele quiser ser. Aquele que escreve tem é o desejo de partilhar este dom, fazer chegar a sua voz a todo canto.

Gabriel Mauro da Silva Rosa

A mulher e a filosofia

traços de uma filosofia no feminino.
A fenomenologia do ser humano: traços de uma filosofia no feminino.

Em um longo período, na história, a mulher enfrentou vários desafios para que pudesse conquistar o seu espaço. Após várias lutas conquistou e continua conquistando, não só no mundo do trabalho, mas, também, no universo intelectual, de modo especial, na filosofia. Várias pensadoras, como Edith Stein, não puderam obter uma cátedra por serem mulheres. No entanto, isso não foi empecilho para que, na época, ela pudesse dar suas contribuições à filosofia. Inicialmente, em sua tese doutoral “Sobre o Problema da Empatia”, que obteve da banca summa cum laude (o máximo louvor possível), surpreendendo o seu professor e orientador, Edmund Husserl. Ela se tornou sua assistente, transcrevendo seus escritos estenografados. Mais tarde abandonará essa ocupação, por desejar dar seguimento às suas próprias pesquisas. Ela continuou dando suas contribuições à fenomenologia, indo, inclusive, além, unindo a fenomenologia com o pensamento cristão (Tomás de Aquino); realizou pesquisas sobre o ser humano e sua alma. Suas investigações oferecem contribuições importantes à psicologia, pedagogia e outras ciências.  Em “A Fenomenologia do Ser Humano”, Angela Ales Bello apresenta o tema da mulher dentro do universo fenomenológico, tendo como foco o pensamento das integrantes: Edith Stein, Hedwig Conrad-Martius e outra pensadora pouco conhecida, Gerda Walther. Com olhar fenomenológico, a autora expõe as grandes contribuições das referidas pensadoras, demonstrando que a fenomenologia foi genial para o modo peculiar de ser da mulher. Em uma época em que ainda havia pouco espaço para elas nas universidades, elas ainda encontraram na escola fenomenológica o lugar onde expor suas pesquisas. Tiveram mestres e colegas que se dispuseram a apreciar suas qualidades, considerando-as no mesmo nível, apreciando suas pesquisas e a habilidade com que souberam desenvolvê-las. Com criticidade, sensibilidade e olhar sobre o todo, elas mostraram que é possível avançar no campo da mística, do sobrenatural, com olhar rigoroso; contribuíram com as ciências, especialmente a psicologia, já que, na época, a psique ainda era pouco esclarecida e com viés positivista. 

Uma filósofa não pertencente à fenomenologia, chama-nos a atenção com as suas reflexões: Hannah Arendt. Ela analisa os regimes totalitários; faz- nos refletir sobre política e temas antropológicos. Seu relato sobre Eichmann em Jerusalém foi considerado, pela crítica, perturbador, pois, sendo ela judia, investiga com serenidade e imparcialidade o caso do ex-oficial nazista, Eichmann, vendo nele apenas um ser humano frágil e medíocre, uma nulidade pronta a obedecer a qualquer voz imperativa, em outras palavras, um homem sem opinião própria. Diante de tais personalidades, Edith Stein, Conrad-Martius, Gerda Walther e Hannah Arendt, podemos encarar o ingresso da mulher na filosofia com serenidade e com abertura, observando várias conquistas e contribuições em um terreno que, antes, era exclusivo aos homens. Graças a elas temos, hoje, várias pesquisas sobre temas importantes que muitas vezes passam despercebidos e que não são menos importantes. Hoje, muitas outras mulheres continuam contribuindo; com crítica e com as suas peculiaridades, elas vêm conquistando, cada vez mais, o seu espaço na filosofia. 

Gabriel Mauro da Silva Rosa

Referências:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 335 p. 


BELLO, Angela Ales. A fenomenologia do ser humano: traços de uma filosofia no feminino. Tradução de Antonio Angonese. Bauru, SP: Edusc, 2000. 287 p.
 


Hedwig Conrad-Martius e os integrante da escola fenomenológica: Reinach, Neumann, Lipps, Max Scheler, Koyré, Arenque, MS e Márcio.
Edith Stein

Hannah Arendt

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Arrancar máscaras, abandonar papéis.

Todo ser humano caminha entre a verdade e a hipocrisia, entre a loucura e a sanidade. Pela manhã, vestimos a máscara do ser humano normal, fingimos que tudo está bem, que somos perfeitos, que somos modelos exemplares de pais ou mães de família, de esposos (as), de filhos (as), de profissionais... Ao findar o dia, quando voltamos para nossas casas, para o mais interior de nós, ficamos face a face com a verdade e, por mais que queiramos, não é possível fugir de nossas fragilidades. 
Na sociedade, assumimos vários papéis; algumas vezes, até fingimos ser o que não somos, aparentamos ser fortes enquanto, na verdade, somos extremamente fracos. E somos. Muitas vezes, olhamos para nossos semelhantes e apontamos os seus defeitos, rimos de suas loucuras e nos esquecemos das nossas. Sorrimos quando, na verdade, choramos por dentro; fingimos amar, quando, na verdade, o ódio impera no mais profundo de nós. Encenamos a normalidade, enquanto caminhamos em uma corda bamba entre a sanidade e a loucura. 
A mentira nos protege do monstro que há no outro (do monstro que há em nós) e para que não sejamos julgados ou massacrados, colocamos as máscaras. Vivemos mentiras e verdades. Então, por que julgamos? É preciso arrancar máscaras, abandonar papéis, aceitar nossas próprias fragilidades e as dos outros. É necessário assumir nossas fraquezas para superá-las. Somos frágeis, doentes, imperfeitos, loucos e a maior de todas as nossas armas é o julgamento. É preciso compreensão e solidariedade, saber colocar-se no lugar do (a) outro (a) e compreender a nós mesmos, para não nos tornarmos, cada vez mais, reprimidos e doentes.

Autor:Gabriel Mauro da Silva Rosa.

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domingo, 25 de junho de 2017

A marionete de trapo


Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestiria simplesmente, me jogaria de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mario Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes – te amo, te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, lhe daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens...
Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente, não poderão servir muito porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei morrendo.
 
Johnny Welch