quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Seria o pensamento de Edith Stein uma utopia?



Conversando com alguém sobre Edith Stein, através das redes sociais, senti a necessidade de escrever este texto. Ao lhe sugerir algumas obras da pensadora, surgiu em nossa conversa o tema da liberdade e o da singularidade, temas muito queridos por Stein e retomados por ela em quase todos os seus escritos. A partir disso, surgiu o questionamento: Em um mundo, cada vez mais globalizado, em que a singularidade da pessoa parece estar cada vez mais esquecida, não seria o pensamento de Edith Stein uma utopia? “Utopia” é um termo que também pode ser definido como um sistema ou plano que parece irrealizável.
Em “A Estrutura da Pessoa Humana”, obra steiniana de antropologia filosófica voltada para a pedagogia, a pensadora afirma que em toda atuação humana se esconde uma “práxis”. Aquele que atua na área educacional deve aderir a uma teoria para que se possa alcançar a meta – a educação (formação) do indivíduo. Assim, o educador conta com diversas possibilidades para poder atuar, podendo utilizar pensamentos filosóficos, científicos etc. As reflexões pedagógicas de Edith Stein, por exemplo, oferece uma base firme para a prática pedagógica.  Atualmente, observa-se que a maioria das escolas e universidades têm em vista a profissionalização do indivíduo, ou seja, deve-se formar a pessoa para que atenda às demandas da sociedade, com a sua atuação profissional.
Temos a impressão de que pessoa parece cada vez mais mecanizada, e sua singularidade esquecida. Pouco ou quase nenhum valor se dá à sua singularidade. Em algumas redes de ensino (públicas e privadas), por exemplo, os alunos são vistos quase como números, pois a meta está voltada mais para os gráficos, com os índices cada vez menores de reprovação, do que propriamente à pessoa. Assim, o educador que segue a linha do pensamento steiniano, encontra uma grande barreira em sua atuação. O que fazer, então, para que o pensamento steiniano não se torne uma utopia?
Apesar das exigências curriculares ou do próprio “carisma” da instituição, é preciso insistir na dignidade do que é ser pessoa. Devem-se aproveitar os espaços que são oferecidos (as reuniões de formação de docentes, as palestras abertas ao público etc.) para entrar no tema, lembrando a gestores e educadores sobre a sua missão e a sua responsabilidade na educação (formação). Stein ensinou que a educação ideal é aquela que parte de dentro para fora. Dessa forma, deve-se atingir o núcleo (a profundidade da pessoa, a sua interioridade), pois aquilo que o alcança finca raízes. Mais do que um belo discurso, a ação poderá chamar a atenção de outras pessoas, motivando-as a fazer o mesmo (a pessoa se sente atraída pela forma como vê o outro agir). Conforme Edith, não existe algo mais arrebatador na educação do que o próprio bom exemplo, algo que todo educador pode (e deve) dar.  
Mesmo com grandes obstáculos na sala de aula, o professor não perdeu, completamente, a sua autonomia. Aquele que trabalha com as áreas humanas, por exemplo, poderá aproveitar o máximo o que de belo e bom elas têm a oferecer para trabalhar com as moções da alma. Um clássico da literatura, o valor de uma grande personalidade na história, a música, o teatro são pequenas formas de alcançar o núcleo, de emocionar e de motivar. É necessário, também, visualizar e valorizar a singularidade de cada educando, estando atento a sua maneira de ser, aos seus dotes e talentos.  Mais além, é possível que o professor aproveite os pequenos espaços (reuniões, intervalos, recreações etc.) para atuar de forma discreta na educação (formação) da pessoa. Para aqueles que não conhecem o pensamento de Edith Stein com profundidade, poderá parecer uma utopia aquilo que ele sugestiona. Contudo, estes são pequenos exemplos que nos mostram a possibilidade de aplica-lo, alcançando a meta para a qual todo indivíduo foi criado: a de desenvolver a sua verdadeira personalidade.

Gabriel Mauro da Silva Rosa.

Edith Stein (no centro) com suas alunas de Speyer.

Edith Stein (na primeira fila, no centro, de cima para baixo) com as alunas em uma excursão.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Uma graça de Santa Teresinha: um relato de fé.




Há muito tempo, quando eu ainda era adolescente (mais ou menos quinze anos), participei de uma celebração eucarística muito especial. Eu buscava meu lugar na Igreja; era um vocacionado, e tinha o ideal de servir a Deus de alguma maneira. Neste dia, eu fazia uma experiência vocacional junto aos Frades Menores Capuchinhos. Após a recepção no convento, fomos à celebração eucarística. Celebrava-se a festa em louvor à Santa Teresinha. No final, os paroquianos fizeram uma peça teatral cheia de detalhes e muito bem encenada. Como parte da peça, uma garotinha, que fazia o papel principal de Santa Teresinha, saiu com um cesto cheio de rosas e as distribuía entre os fiéis: “– Creio que receberei a graça que pedi e a rosa será o sinal”, eu pensei. Entretanto, uma mulher que estava ao meu lado, foi quem a recebeu.
Como na época eu era muito ingênuo, fiquei imaginando se realmente receberia a graça que havia pedido à Santa. Após a oração da noite, fomos descansar.  De forma curiosa e cientificamente explicável, sonhei que alguém me presenteava com um dente-de-leão e disse que havia sido Santa Teresinha quem havia mandado. No dia anterior, achei muito curioso, mas não dei importância. Depois de algum tempo, quando nem lembrava, eu alcancei a graça que havia pedido. Disso eu aprendi que não é necessário ganhar uma rosa para que Santa Teresinha conceda uma graça, como também sei que não precisamos (e não devemos) pedir a Deus nenhum sinal ou consolação em nossas orações. O sonho, na psicologia, tem explicações. Mas também sei que Deus age de maneira misteriosa e discreta.

Gabriel Mauro da Silva Rosa


Paróquia Santa Teresinha. Patos de Minas, MG. Foto: Lizandro Junior.

Interior da igreja. Fonte da imagem: TripAdvisor



segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Por que Edith Stein me atrai tanto: um relato sobre a minha experiência com Edith Stein.





Há muito tempo, na adolescência, eu passei a admirar a vida dos santos.  Ao ler “História de uma alma”, passei a amar a singeleza de Santa Teresinha. Sua doutrina espiritual me encantava (e ainda encanta). Nessa época, eu ainda não conhecia Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein). Tudo começou quando, por obra providencial, folheando um livro de história da filosofia, chamou-me a atenção a imagem de uma freira: “Como é possível que uma monja possa ser uma filósofa?” eu pensei. Não foi um preconceito de minha parte, foi mais uma curiosidade, pois, até aquele momento, eu nunca havia visto uma filósofa que tivesse sido uma monja.
Neste período, eu já estava no último ano do curso de filosofia e deveria escolher um filósofo e um tema para a monografia.  Passei a ler sobre Edith Stein. Comecei por uma biografia de E. Miribel e terminei lendo “A Estrutura da Pessoa Humana”, uma obra um pouco complexa para quem não tem um contato com a fenomenologia e algumas concepções da filosofia de São Tomás. Do Aquinate eu conhecia pouco; de fenomenologia, praticamente, nada.  Um amigo me motivou a não desistir, ajudando-me na construção do trabalho (tema, tópicos etc). Aos poucos, conheci alguns estudiosos e religiosos que me ajudaram a reunir várias fontes para o trabalho, pois na época, (em 2010), ainda havia pouca coisa publicada sobre Edith Stein. Menciono, de modo muito especial, a Ir. Jacinta Turolo Garcia. Comunicavamo-nos por e-mail: com paciência, ela sanava as minhas dúvidas e enviava materiais inéditos. Também devo gratidão às irmãs Carmelitas, de Patos de Minas, MG.
Com muita leitura e persistência, terminei o trabalho conseguindo uma nota muito satisfatória. Comecei a minha devoção à Santa Teresinha e, depois, encontrei Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz). Por quê? Acredito que, além de ter sido uma obra da graça (a providência), tudo se deve a questões de maturidade psicológica e espiritual. No final do curso de filosofia, vivi uma grande crise, não só existencial, mas também em relação à fé. Até hoje algumas pessoas me questionam: “Mas você, que fez a sua monografia tendo como base uma filósofa santa, como deixou de rezar?” Mesmo longe da fé, nunca deixei de ler os escritos espirituais e filosóficos de Edith Stein, (como ainda hoje leio), pois me encantava o seu rigor e a sua autenticidade. E continua me encantando e me surpreendendo!
Vivi um período muito difícil, mas acompanhado por Santa Teresa Benedita da Cruz. E quem melhor do que ela? Hoje recuperei um pouco da minha fé de criança, aquela fé que Santa Teresinha nos ensina a ter, contudo, mais madura e racional. Edith me atrai, não só por seu rigor em tratar de questões que envolvem o ser humano, mas, principalmente, por sua busca pela verdade, busca que todo ser humano empreende ao longo de sua existência.

Gabriel Mauro da Silva Rosa

Por que acreditar em santos?



 As expressões “não se deve crer em nenhum homem, exceto em Jesus”, “homens são pecadores, só Deus é santo!” são usadas por aqueles que não compreendem a importância dos santos. Mas os que possuem uma visão madura sabem que o cristão católico não faz adoração a eles, mas apenas os veneram. Venerar é demonstrar admiração por algo ou alguém, ou seja, é ter um profundo respeito e afeição.  Para os católicos, o (a) santo (a) é visto como um modelo no seguimento a Jesus Cristo, ou ainda como aquele (a) que alcançou o pleno desenvolvimento como cristão, como pessoa. Para eles, Jesus é o verdadeiro modelo. Deus O enviou não só para remir o pecado da humanidade, mas, também, para que busquemos Nele exemplo de vida e santidade. Por que, então, acreditar em santos, se o católico tem a Jesus Cristo por modelo?
Na vida cotidiana é comum termos admiração por alguém, por seu jeito de ser, de agir. Este se torna um modelo para nós. Para o cristão católico, os santos foram aqueles que corresponderam ao Evangelho; mais do que ouvir a Palavra, eles a viveram, tendo consciência de sua responsabilidade como cristãos. Viver o Evangelho é estar em comunhão com Deus e com todas as criaturas, opondo-se a tudo aquilo que não corresponda ao projeto da Salvação. Se na vida cotidiana um homem comum pode tornar-se um modelo de vida, por que, então, o santo não poderia tornar-se um modelo de vida no seguimento a Jesus Cristo? Todos são chamados à santidade, católicos e não católicos. Entretanto, corresponder a este projeto não é fácil, pois exige renúncia; renúncia às nossas vontades, a tudo o que nos impede de corresponder ao seu chamado. Por isso, acreditar em um santo, mais do que pedir o seu auxílio espiritual na jornada terrena, é acreditar que somos capazes de aderir a este convite, assim como eles.

Gabriel Mauro da Silva Rosa

domingo, 19 de janeiro de 2020

Santa Teresinha e Santa Teresa Benedita da Cruz: duas almas irmãs.



Santa Teresa de Lisieux, também conhecida como Santa Teresinha do Menino Jesus, nasceu na França, Alençon, no dia 02 de janeiro de 1873. Edith Stein, canonizada como Santa Teresa Benedita da Cruz, nasceu na Breslávia (atual Wroclaw, Polônia),  no dia 12 de outubro de 1891. Ambas nasceram em lugares e períodos diferentes, contudo, possuem em comum não só o fato de terem pertencido à mesma ordem religiosa (o Carmelo), mas vários outros pontos concordantes, que apresentaremos. Edith Stein pertencia a uma família judia, perdendo o pai muito cedo. Com isso, sua mãe, Auguste Stein, assume a educação de seus sete filhos. Seu falecido marido, Siegfried, possuía um comércio de madeira, entretanto, o negócio não ia bem. A Sra. Auguste assume o negócio, restituindo a economia da família, o que possibilitou aos filhos, principalmente à Edith, seu ingresso nas melhores escolas e universidades. Para a Sra. Stein, a educação dos filhos era primordial.
Ao contrário de Santa Teresa Benedita, Santa Teresinha perde a mãe. Seu pai, Sr. Luís Martin, famoso relojoeiro, assume a educação de suas cinco filhas, provendo-lhes o melhor. Com a finalidade de educá-las da melhor maneira possível, em um ambiente saudável, compra uma casa em “Les Buissonnets”, que chama a atenção por sua beleza (assim como a residência de Edith Stein, em Wroclaw, Polônia). Os pais de Santa Teresinha, Sr. Luís e Sra. Zélia, eram cristãos muito piedosos, assim como a Sra. Auguste, que possuía profundo zelo pelo judaísmo. Ambos possuíam profundo respeito pelos filhos, tanto na escolha de uma profissão quanto nos costumes religiosos. O Sr. Luís respeitou o desejo de suas cinco únicas filhas quando manifestaram o desejo de abraçar a vida religiosa.
A Sra. Stein nunca impôs aos filhos a religião judaica, respeitando a liberdade dos filhos até mesmo quando muitos deixaram de rezar (Edith, por exemplo, relatou que viveu um período de ateísmo, aos 14 anos). Escreve Edith, em sua autobiografia, que ninguém opinou na escolha de sua profissão. Sua mãe lhe dava liberdade total. Ela dizia: “Não cabe a ninguém o direito de opinar sobre o assunto. Não é da nossa conta. Faça o que você achar que é certo” (STEIN, 2018, p. 210). Assim, ela pôde seguir o seu caminho profissional e intelectual sem ser incomodada. Até aqui, temos alguns pontos em comum entre estas duas almas, Edith e Teresa: pais profundamente zelosos, que possuíam profundo respeito pelos filhos, em outras palavras, a consciência de sua responsabilidade e missão como verdadeiros educadores terrenos.
Edith e Teresa escreveram uma autobiografia, que, mesmo possuindo finalidades diferentes, complementam-se. Em “História de uma alma”, Santa Teresinha narra a sua infância por obediência aos superiores, para, como ela mesma diz “cantar as maravilhas do Senhor”. O livro chama a atenção até hoje (2020) por sua simplicidade, delicadeza. Para agradar ao Senhor, diz a santa, não são necessários grandes feitos, mas nos pequenos gestos podemos dar prazer a Jesus. “Um sorriso, uma palavra amável, muitas vezes bastam para alegrar uma alma triste”. Deixou-nos o seu legado, o pequeno caminho, a infância espiritual.
Em “Vida de uma família judia” (versão portuguesa, publicada pela Editora Paulus) Santa Teresa Benedita narra a sua trajetória existencial com a finalidade de dar o seu testemunho como judia (já que o movimento nazista empregou o ódio contra os judeus, construindo uma falsa caricatura): “O que escrevo nestas páginas não tem a pretensão de ser uma apologia ao judaísmo. [...] É um testemunho, entre tantos outros já publicados ou ainda virão a sê-lo. Trata-se de fornecer informações àqueles que desejam ir às fontes com imparcialidade” (STEIN, 2018, p. 21). Hoje, a sua autobiografia nos permite conhecer não só a sua personalidade, como, também, a de vários outros judeus; aqueles com os quais ela conviveu: integrantes de sua família, colegas de estudo e amigos.  

 [...] Muitas outras pessoas não conviveram com judeus, principalmente a juventude, pois, em nossos dias, ela está possuída pelo ódio racial desde a mais tenra infância. É para essa juventude e exatamente para ela que devemos dar testemunho, nós, que crescemos no judaísmo (STEIN, 2018, p. 21).

Edith, além de sua autobiografia, deixou-nos numerosos escritos – filosóficos, teológicos, pedagógicos e espirituais, além de muitas cartas. Em comum, as duas almas irmãs – Teresa e Edith – também escreveram poemas e peças de teatro, além do que já fora mencionado. E não foi por acaso que se tornaram carmelitas. Foi obra da graça. O Carmelo, Escola de Maria, inspirado pelo profeta Elias, é uma escola de vida e de oração, de arte e de santidade. A Ordem da Bem Aventurada Virgem do Monte Carmelo reúne uma grande riqueza cultural e personal. 
Teresinha e Edith são duas almas que se complementam, pois nos ensinam a amar a Jesus, a ter perseverança, a ter amor ao próximo e a agir (vida conforme a doutrina). Nosso Senhor disse que seu caminho não seria fácil: “Aquele que desejar seguir-me, tome a sua cruz e me siga”.   Teresinha morreu aos 24 anos, vítima de tuberculose e Edith, aos 51 anos, na câmara de gás, pelo sistema nazista. Em comum, estas almas deram o seu testemunho, perseveraram no caminho a Jesus Cristo e nos convida, hoje, a tomar a nossa cruz e a segui-lo. Agradeçamos a Deus pela vida de Santa Teresinha e de Santa Teresa Benedita da Cruz, duas almas irmãs, NOSSAS IRMÃS, pelo exemplo de vida e de santidade, legado para nós, em nossa jornada terrena.

Autoria: Gabriel Mauro da Silva Rosa. 19 de janeiro de 2020.

Referência:

STEIN, Edith. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. São Paulo: Paulus. 2018. 1 º ed. 599 p.