domingo, 27 de junho de 2021

A união nupcial da alma com Deus

Fonte: cornerstoneart.com
Fonte: cornerstoneart.com


“Desde toda a eternidade a alma foi predestinada a participar como esposa do Filho de Deus, da vida trinitária, da Divindade. Para desposá-la, o Verbo Eterno revestiu-se com a natureza humana: Deus e a alma devem constituir dois em uma só carne. Mas a carne do homem pecador está revoltada contra o espírito; por isso, toda a vida carnal é feita de luta e de sofrimento. Estes atingiram o Filho do homem mais que qualquer outro da humanidade, e, entre os homens, são mais atingidos os que, mais intimamente, estão ligados a Cristo. Jesus Cristo é solícito para com a alma e entrega a sua própria vida em favor da vida da alma, na luta contra os inimigos seus e dela. Ele afugenta Satanás e todos os espíritos malignos onde quer que os encontre pessoalmente, e arranca as almas de sua tirania. Ele revela cruamente a malícia humana onde quer que se lhe oponha, cega, disfarçada e obstinada. 

A todos os que reconhecem seu pecado, confessando-o humildemente e desejando, intimamente, serem libertados, Jesus Cristo estende a mão, exigindo-lhes, entretanto, imitação incondicional e renúncia a tudo quanto se opõe ao seu Espírito. Isso levanta contra ele o furor do inferno e o ódio e a malícia da mesquinhez humana, a ponto de investirem contra ele, preparando-lhe a morte de cruz. Aqui, ele paga à Justiça divina, pelos tormentos extremos do corpo e da alma e, principalmente, pela noite do abandono de Deus, o preço das dívidas acumuladas pelos pecados de todos os tempos. Ele abre as comportas da misericórdia do Pai para todos os que têm a coragem de abraçar a cruz do Crucificado. Sobre estes, ele derrama sua luz e sua vida, que são divinas e que destroem, incessantemente, tudo quanto se lhes opõe e, por isso, dão, a princípio, a sensação de noite e de morte.

Esta é a noite escura da contemplação, a morte de cruz para o homem velho. A noite se torna tanto mais escura, e a morte mais penosa, quanto mais intenso for o apelo do amor divino e quanto mais, incondicionalmente, a alma se lhe entregar. O desmoronamento progressivo da natureza humana dá maior espaço à luz sobrenatural e à vida divina, a qual se apodera das energias naturais e as transforma em energias divinizadas e espiritualizadas. Desta forma, realiza-se no cristão uma nova encarnação de Cristo, equivalente a uma ressurreição da morte na Cruz. O homem novo traz no corpo os estigmas do Cristo: são a lembrança da miséria dos pecados, de onde foi ressuscitado para a vida bem-aventurada e a lembrança do preço que isso custou. Resta-lhe a ânsia pela plenitude da vida, até que a morte física lhe permita entrar na luz sem sombra. Assim entendida, a união nupcial da alma com Deus é o fim para o qual a alma foi criada, e é uma união adquirida pelo preço da cruz, realizada na cruz e, selada para todo o sempre, com a cruz”.


Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz). A Ciência da Cruz: estudo sobre São João da Cruz. Trad. D. Beda Kruse. Edições Loyola, 3ª Edição, p. 219-220.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Seria o pensamento de Edith Stein uma utopia?



Conversando com alguém sobre Edith Stein, através das redes sociais, senti a necessidade de escrever este texto. Ao lhe sugerir algumas obras da pensadora, surgiu em nossa conversa o tema da liberdade e o da singularidade, temas muito queridos por Stein e retomados por ela em quase todos os seus escritos. A partir disso, surgiu o questionamento: Em um mundo, cada vez mais globalizado, em que a singularidade da pessoa parece estar cada vez mais esquecida, não seria o pensamento de Edith Stein uma utopia? “Utopia” é um termo que também pode ser definido como um sistema ou plano que parece irrealizável.
Em “A Estrutura da Pessoa Humana”, obra steiniana de antropologia filosófica voltada para a pedagogia, a pensadora afirma que em toda atuação humana se esconde uma “práxis”. Aquele que atua na área educacional deve aderir a uma teoria para que se possa alcançar a meta – a educação (formação) do indivíduo. Assim, o educador conta com diversas possibilidades para poder atuar, podendo utilizar pensamentos filosóficos, científicos etc. As reflexões pedagógicas de Edith Stein, por exemplo, oferece uma base firme para a prática pedagógica.  Atualmente, observa-se que a maioria das escolas e universidades têm em vista a profissionalização do indivíduo, ou seja, deve-se formar a pessoa para que atenda às demandas da sociedade, com a sua atuação profissional.
Temos a impressão de que pessoa parece cada vez mais mecanizada, e sua singularidade esquecida. Pouco ou quase nenhum valor se dá à sua singularidade. Em algumas redes de ensino (públicas e privadas), por exemplo, os alunos são vistos quase como números, pois a meta está voltada mais para os gráficos, com os índices cada vez menores de reprovação, do que propriamente à pessoa. Assim, o educador que segue a linha do pensamento steiniano, encontra uma grande barreira em sua atuação. O que fazer, então, para que o pensamento steiniano não se torne uma utopia?
Apesar das exigências curriculares ou do próprio “carisma” da instituição, é preciso insistir na dignidade do que é ser pessoa. Devem-se aproveitar os espaços que são oferecidos (as reuniões de formação de docentes, as palestras abertas ao público etc.) para entrar no tema, lembrando a gestores e educadores sobre a sua missão e a sua responsabilidade na educação (formação). Stein ensinou que a educação ideal é aquela que parte de dentro para fora. Dessa forma, deve-se atingir o núcleo (a profundidade da pessoa, a sua interioridade), pois aquilo que o alcança finca raízes. Mais do que um belo discurso, a ação poderá chamar a atenção de outras pessoas, motivando-as a fazer o mesmo (a pessoa se sente atraída pela forma como vê o outro agir). Conforme Edith, não existe algo mais arrebatador na educação do que o próprio bom exemplo, algo que todo educador pode (e deve) dar.  
Mesmo com grandes obstáculos na sala de aula, o professor não perdeu, completamente, a sua autonomia. Aquele que trabalha com as áreas humanas, por exemplo, poderá aproveitar o máximo o que de belo e bom elas têm a oferecer para trabalhar com as moções da alma. Um clássico da literatura, o valor de uma grande personalidade na história, a música, o teatro são pequenas formas de alcançar o núcleo, de emocionar e de motivar. É necessário, também, visualizar e valorizar a singularidade de cada educando, estando atento a sua maneira de ser, aos seus dotes e talentos.  Mais além, é possível que o professor aproveite os pequenos espaços (reuniões, intervalos, recreações etc.) para atuar de forma discreta na educação (formação) da pessoa. Para aqueles que não conhecem o pensamento de Edith Stein com profundidade, poderá parecer uma utopia aquilo que ele sugestiona. Contudo, estes são pequenos exemplos que nos mostram a possibilidade de aplica-lo, alcançando a meta para a qual todo indivíduo foi criado: a de desenvolver a sua verdadeira personalidade.

Gabriel Mauro da Silva Rosa.

Edith Stein (no centro) com suas alunas de Speyer.

Edith Stein (na primeira fila, no centro, de cima para baixo) com as alunas em uma excursão.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Uma graça de Santa Teresinha: um relato de fé.




Há muito tempo, quando eu ainda era adolescente (mais ou menos quinze anos), participei de uma celebração eucarística muito especial. Eu buscava meu lugar na Igreja; era um vocacionado, e tinha o ideal de servir a Deus de alguma maneira. Neste dia, eu fazia uma experiência vocacional junto aos Frades Menores Capuchinhos. Após a recepção no convento, fomos à celebração eucarística. Celebrava-se a festa em louvor à Santa Teresinha. No final, os paroquianos fizeram uma peça teatral cheia de detalhes e muito bem encenada. Como parte da peça, uma garotinha, que fazia o papel principal de Santa Teresinha, saiu com um cesto cheio de rosas e as distribuía entre os fiéis: “– Creio que receberei a graça que pedi e a rosa será o sinal”, eu pensei. Entretanto, uma mulher que estava ao meu lado, foi quem a recebeu.
Como na época eu era muito ingênuo, fiquei imaginando se realmente receberia a graça que havia pedido à Santa. Após a oração da noite, fomos descansar.  De forma curiosa e cientificamente explicável, sonhei que alguém me presenteava com um dente-de-leão e disse que havia sido Santa Teresinha quem havia mandado. No dia anterior, achei muito curioso, mas não dei importância. Depois de algum tempo, quando nem lembrava, eu alcancei a graça que havia pedido. Disso eu aprendi que não é necessário ganhar uma rosa para que Santa Teresinha conceda uma graça, como também sei que não precisamos (e não devemos) pedir a Deus nenhum sinal ou consolação em nossas orações. O sonho, na psicologia, tem explicações. Mas também sei que Deus age de maneira misteriosa e discreta.

Gabriel Mauro da Silva Rosa


Paróquia Santa Teresinha. Patos de Minas, MG. Foto: Lizandro Junior.

Interior da igreja. Fonte da imagem: TripAdvisor



segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Por que Edith Stein me atrai tanto: um relato sobre a minha experiência com Edith Stein.





Há muito tempo, na adolescência, eu passei a admirar a vida dos santos.  Ao ler “História de uma alma”, passei a amar a singeleza de Santa Teresinha. Sua doutrina espiritual me encantava (e ainda encanta). Nessa época, eu ainda não conhecia Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein). Tudo começou quando, por obra providencial, folheando um livro de história da filosofia, chamou-me a atenção a imagem de uma freira: “Como é possível que uma monja possa ser uma filósofa?” eu pensei. Não foi um preconceito de minha parte, foi mais uma curiosidade, pois, até aquele momento, eu nunca havia visto uma filósofa que tivesse sido uma monja.
Neste período, eu já estava no último ano do curso de filosofia e deveria escolher um filósofo e um tema para a monografia.  Passei a ler sobre Edith Stein. Comecei por uma biografia de E. Miribel e terminei lendo “A Estrutura da Pessoa Humana”, uma obra um pouco complexa para quem não tem um contato com a fenomenologia e algumas concepções da filosofia de São Tomás. Do Aquinate eu conhecia pouco; de fenomenologia, praticamente, nada.  Um amigo me motivou a não desistir, ajudando-me na construção do trabalho (tema, tópicos etc). Aos poucos, conheci alguns estudiosos e religiosos que me ajudaram a reunir várias fontes para o trabalho, pois na época, (em 2010), ainda havia pouca coisa publicada sobre Edith Stein. Menciono, de modo muito especial, a Ir. Jacinta Turolo Garcia. Comunicavamo-nos por e-mail: com paciência, ela sanava as minhas dúvidas e enviava materiais inéditos. Também devo gratidão às irmãs Carmelitas, de Patos de Minas, MG.
Com muita leitura e persistência, terminei o trabalho conseguindo uma nota muito satisfatória. Comecei a minha devoção à Santa Teresinha e, depois, encontrei Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz). Por quê? Acredito que, além de ter sido uma obra da graça (a providência), tudo se deve a questões de maturidade psicológica e espiritual. No final do curso de filosofia, vivi uma grande crise, não só existencial, mas também em relação à fé. Até hoje algumas pessoas me questionam: “Mas você, que fez a sua monografia tendo como base uma filósofa santa, como deixou de rezar?” Mesmo longe da fé, nunca deixei de ler os escritos espirituais e filosóficos de Edith Stein, (como ainda hoje leio), pois me encantava o seu rigor e a sua autenticidade. E continua me encantando e me surpreendendo!
Vivi um período muito difícil, mas acompanhado por Santa Teresa Benedita da Cruz. E quem melhor do que ela? Hoje recuperei um pouco da minha fé de criança, aquela fé que Santa Teresinha nos ensina a ter, contudo, mais madura e racional. Edith me atrai, não só por seu rigor em tratar de questões que envolvem o ser humano, mas, principalmente, por sua busca pela verdade, busca que todo ser humano empreende ao longo de sua existência.

Gabriel Mauro da Silva Rosa

Por que acreditar em santos?



 As expressões “não se deve crer em nenhum homem, exceto em Jesus”, “homens são pecadores, só Deus é santo!” são usadas por aqueles que não compreendem a importância dos santos. Mas os que possuem uma visão madura sabem que o cristão católico não faz adoração a eles, mas apenas os veneram. Venerar é demonstrar admiração por algo ou alguém, ou seja, é ter um profundo respeito e afeição.  Para os católicos, o (a) santo (a) é visto como um modelo no seguimento a Jesus Cristo, ou ainda como aquele (a) que alcançou o pleno desenvolvimento como cristão, como pessoa. Para eles, Jesus é o verdadeiro modelo. Deus O enviou não só para remir o pecado da humanidade, mas, também, para que busquemos Nele exemplo de vida e santidade. Por que, então, acreditar em santos, se o católico tem a Jesus Cristo por modelo?
Na vida cotidiana é comum termos admiração por alguém, por seu jeito de ser, de agir. Este se torna um modelo para nós. Para o cristão católico, os santos foram aqueles que corresponderam ao Evangelho; mais do que ouvir a Palavra, eles a viveram, tendo consciência de sua responsabilidade como cristãos. Viver o Evangelho é estar em comunhão com Deus e com todas as criaturas, opondo-se a tudo aquilo que não corresponda ao projeto da Salvação. Se na vida cotidiana um homem comum pode tornar-se um modelo de vida, por que, então, o santo não poderia tornar-se um modelo de vida no seguimento a Jesus Cristo? Todos são chamados à santidade, católicos e não católicos. Entretanto, corresponder a este projeto não é fácil, pois exige renúncia; renúncia às nossas vontades, a tudo o que nos impede de corresponder ao seu chamado. Por isso, acreditar em um santo, mais do que pedir o seu auxílio espiritual na jornada terrena, é acreditar que somos capazes de aderir a este convite, assim como eles.

Gabriel Mauro da Silva Rosa