quarta-feira, 5 de julho de 2017

O Retrato de Dorian Gray: arte, vida, aparência e sociedade.

Imagem do filme inspirado no romance.

Oscar Wilde (1854-1900) foi, além de escritor, um dos maiores dramaturgos de Londres (1880). Envolveu-se em muitas polêmicas, entre elas, sua prisão por práticas de homossexualidade, que, na época, era considerado um crime. No cárcere, a escrita se tornará a sua maior aliada. É o autor da famosa obra O Retrato de Dorian Gray, seu único e polêmico romance, considerado por muitos críticos como obra prima da literatura inglesa. Nele, o autor trata da vida, da arte, da vaidade e das manipulações humanas. É uma afronta ao "bom mocismo" burguês. É uma denúncia da "aparente" sociedade vitoriana e suas múltiplas máscaras. Dorian é um personagem bom, mas que será corrompido. Ele deseja a beleza "eterna" a todo custo, fazendo um pacto demoníaco. No prefácio da nova edição, Wilde se posiciona e sintetiza suas ideias principais: a obra é um conjunto de aforismos sarcásticos sobre arte, vida e sociedade. É a vida transplantada para a arte, vivê-la como representação da arte. Os personagens querem viver como se estivessem vivendo a arte e não a vida. Há em Dorian uma recusa pelo realismo, satanizando sua vida: "que a arte viva a vida por mim." É a representação como custa da decadência moral. Wilde traz a questão faústica para a obra, adaptando-a para seus anseios esteticistas. Fausto é aquele que experimenta os prazeres mundanos e sua alma entra cada vez mais em decadência. Dorian é aquele que, com seu anseio pela arte, põe sua alma a perder, pois não suporta a realidade da vida. Lord Henry e Sir. Chiltern surgem como Mefistófeles. São a representação da sociedade vitoriana e sua dissimulação (moral, política e familiar). Por trás da aparência, revelam uma alma apodrecida. Sybil Vane representa a essência. Ao se apaixonar por Dorian, perde o gosto totalizado pela arte e passa a viver a vida (a essência). Com isso, Dorian a rejeita, pois isso fere ao seu princípio de vida esteticista, para quem a arte (a beleza) está acima da vida (da moral). O personagem rejeita Sybil, pois a beleza está acima de qualquer sentimento (moral). A personagem, ao se apaixonar, passa a viver a moral, a essência (o amor), contrário aos princípios de Dorian. Há aqui a imagem da aparência versus a essência. A obra ainda traz a imagem do narcisista e do hedonista: Gray é uma personalidade centrada em si mesma, incapaz de amar aos outros. É aquele que busca a beleza a todo custo e rejeita o amor dos demais. É a imagem do hedonista, que busca se satisfazer com o prazer de sua juventude. O Retrato de Dorian Gray é a denúncia de uma sociedade aparente, antiga, porém atual; a eterna luta entre aparência e essência. Oscar Wilde faz da escrita mais do que uma obra de arte: faz uma denúncia, fazendo-nos ver e refletir sobre as nossas próprias atitudes. O Retrato de Dorian Gray é uma obra rica em todos os sentidos, podendo ser analisada sob diversos ângulos.


Gabriel Mauro da Silva Rosa.
Licenciado em Letras. Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM.


Oscar Wilde
  
Oscar Wilde e Lord Alfred Douglas, seu suposto amante.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Walt Whitman em “Canção da Estrada Aberta”: a poesia como arte democrática.


Walt Whitman
Walt Whitman (1819-1892) foi um dos poetas mais engenhosos da literatura inglesa. Nascido no norte de New York, era um homem extremamente perceptivo. Trabalhou em vários sub-empregos: foi tipógrafo e jornalista. Sua primeira obra foi Folhas de relva, uma obra, inicialmente, incompreendida, por trazer poemas com temática de difícil compreensão. Nessa obra, o autor fala em celebrar a si mesmo, fala sobre um eu universal, uma espécie de projeção de uma espiritualidade humana. Viveu o período de evolução dos Estados Unidos, que se firmava, cada vez mais, como uma das maiores potências mundiais. Nesse período surge na literatura várias temáticas. Whitman busca na democracia a sua inspiração. Busca nos mitos greco-latinos exemplos de caráter, de democracia e de amor. Para ele, a poesia lírica é arte democrática, é para o povo, massa universal. Para que se compreenda suas poesias, e, consequentemente, a sua originalidade, é preciso ter em vista a influência de Hegel sobre o autor. Para ele, a democracia precisa estar ao alcance de todos, assim como a arte. A poesia é como capim (Folhas de relva). Ora, capim brota em qualquer lugar, logo, a poesia deve ser como o capim, deve estar ao alcance de todos. Fala, ainda, de um eu como representação de uma totalidade poética, avançando para o plano do místico: o eu como uma espécie de supra-alma. Cada um de nós tem uma alma que comporta nossa história individual (tudo o que compõe o nosso ser). Além da alma, há algo ainda mais além, a supra-alma, que está em todas as pessoas, independentemente do espaço e do tempo, além da cultura, da religião etc. Quando Walt começa as linhas com eu canto a mim mesmo, não significa que o autor está se supervalorizando, mas celebrando a supra-alma presente em cada um de nós. Eis a influência de Hegel em sua poesia. Seu escrito Canção da estrada aberta é um canto à liberdade. O eu lírico, já desapegado de tudo e de si mesmo, põe-se à caminho rumo ao seu ideal (a sua utopia política). É um convite estendido a todos os que o quiserem seguir. No caminho, rumo ao ideal, não será preciso muita coisa. Cada homem trará consigo o compromisso do eu, da supra alma, que, na verdade, é de todos e está em todos de modo universal: a liberdade, a vida, o Bem. A estrada passa a ser mais que poesia "você me expressa melhor do que consigo me expressar, você há de ser, para mim, mais do que meu poema. É uma metáfora, a via que leva ao além, à liberdade. O eu lírico toma consciência de suas potencialidades: não sabia que guardava em mim tanta bondade. Ele deseja unir toda a humanidade em torno de seu ideal, seja quem for. Todo homem traz a sabedoria em sua alma, ela lhe é intrínseca. Não é aquela transmitida nas escolas ou de indivíduo para indivíduo, mas aquela que cada um traz dentro de si. Não há como provar tudo: o mistério basta; filosofias e religiões não provam muita coisa. O eu lírico se entusiasma perante o mistério da vida, com aqueles que o seguem (espiritualmente) e desejam que seu ideal chegue à todos os homens. Mas estes devem ser corajosos e destemidos. Se forem fracos, não deverão se colocar à caminho, pois a estrada é para os corajosos e fortes. Em suma, Whitman é o poeta da democracia, da poesia como arte democrática, e deseja que ela se estenda à toda a humanidade, unidos pela supra-alma, que abraça e une todos os indivíduos: o Bem, a humanidade ideal, sem corrupção e sem mazelas.

Escrito por: Gabriel Mauro da Silva Rosa.
Licenciado em Letras . Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM.



Versão em vídeo de Canção da Estrada Aberta (apenas trechos): 


domingo, 2 de julho de 2017

Século XXI: relações humanas e tecnologia.

Mafalda.
O que ofereço aqui, não é uma visão pessimista sobre relações humanas e tecnologia, mas sim uma reflexão realista sobre nossa condição atual. Basta perceber que muitas coisas mudaram: surgiram novas tecnologias que facilitaram não só a nossa rotina, mas também a nossa relação e comunicação. Nós criamos novos meios e nos tornamos dependentes deles. Ficar um minuto sem a internet por causa de problemas técnicos, por exemplo, é um motivo para o nosso desconcerto. O que deveria ter sido nossa evolução não tem sido o nosso regresso? Há quem diga que o ser humano não estava preparado para receber as novas tecnologias - celulares modernos e cada vez mais sofisticados:  a possibilidade não só de ouvir, mas de ver o outro (a), aplicativos que com um simples toque realizam transferências bancárias, isto somente para citar alguns exemplos. Acredito que o ser humano sempre esteve (e está) preparado para suas próprias descobertas. A questão não é sua falta de preparo e sim sua maturidade. Há aqueles que convivem de forma harmônica com a tecnologia, mas há também aqueles que se tornaram os seus escravos. Há quem não saiba dar atenção ao outro por estar o tempo todo conectado com as redes sociais, se relacionando de forma artificial, mas há também aqueles que ainda são capazes de oferecer calor humano. A atual geração cresceu (e cresce) com o conforto das novas tecnologias, porém grande parte não tem maturidade para utilizá-la. Diante disso, é preciso que os educadores sejam inovadores e ensinem seus filhos (alunos) a utilizar com criticidade a tecnologia. É preciso que eles os ensinem (e os inspirem com o seu exemplo), a criar laços fora das redes sociais, a serem calorosos, acolhedores e sensíveis. Infelizmente muitos pais (e também professores) se tornaram escravos da modernidade, não sendo capazes de ensinar aos filhos (e alunos) - pois o maior de todos os ensinamentos é o exemplo. É preciso que todos nós sejamos maduros e críticos diante de nossas próprias atitudes. A famosa personagem de quadrinhos - Mafalda - nos leva a questionar: "A vida moderna não tem mais de moderna do que de vida?" E com isso podemos nos perguntar: Será que temos realmente vivido? O quanto somos presos ao conforto da tecnologia? Temos criado laços, temos sido sensíveis às dores alheias? Tenho tido tempo para mim e para meus filhos de forma natural e humana sem que os meios tecnológicos o atrapalhem? O quanto sou deles dependente? É preciso pensar e repensar sobre nossas atitudes e mudá-las. É preciso que sejamos maduros e que nunca esqueçamos o que mais precioso nos foi dado: a nossa própria humanidade, o calor humano, a vida. E não podemos permitir que a tecnologia nos roube a nossa maior dignidade: o pensamento.  

Escrito por: Gabriel Mauro da Silva Rosa.

sábado, 1 de julho de 2017

Fichamento, anotações e síntese sobre fenomenologia da religião.


A religião e a dinâmica da sua manifestação. A oração como tema da fenomenologia. 

Autor: João J. Vila-Chã.

Revista de filosofia - v. 35, nº III.

Aspectos importantes:

Não é fácil dizer da religião enquanto fenômeno. O termo - fenomenologia da religião - passou a ser utilizado por numerosos estudiosos, mas sempre com o mesmo sentido. Alguns estudiosos, tais como o autor holandês P. D. Chantepie de la Saussaye ou os historiadores da religião escandinavos - Geo Widengren e Ake Hultkrantz, para os quais a fenomenologia da religião significa o estudo comparativo e a classificação dos diferentes tipos de fenômenos religiosos. Esta diferencia-se pela ausência de atenção à metodologia propriamente fenomenológica, o uso do método, conceitos e processos de verificação propriamente fenomenológicos. 
Há o grupo de investigadores, como M. Eliade, que identificam a fenomenologia da religião como um ramo, disciplina ou método dentro do universo mais abrangente da Religionswissenschaft. Há o grupo de investigadores cuja fenomenologia da religião foi influenciada pela fenomenologia como corrente filosófica, como Max Scheler e Paul Ricouer. R. Otto, Van der Leew e Eliade, que usaram o método fenomenológico e foram influenciados, pelo menos em parte, pela filosofia fenomenológica. Fenômeno - do grego phainomenon (aquilo que se mostra a si mesmo ou aquilo que aparece). Para Herbert Spiegelberg, o termo fenomenologia tem raízes filosóficas e não filosóficas. Ex.: ciências naturais, no campo da física - o que não é filosófico. Do ponto de vista filosófico, o primeiro uso do termo - fenomenologia - foi usado por Joham Heinrich Lambert, filósofo alemão, em seu Neues Organon, onde define o termo como teoria da ilusão. 
Kant - fenômenos são dados da experiência, coisas que aparecem e que são construídas pela nossa mente. Para o filósofo são noumena ou coisas em si mesmas, independente de nossas mentes, passíveis de serem estudadas de modo racional, científico e objetivo. Para Hegel, que estava determinado a superar a bifurcação kantiana entre fenômeno e noumena - fenômenos eram os estágios atuais do conhecimento, manifestações no desenvolvimento do Espírito, evoluindo desde formas primitivas de consciências de meras experiências sensoriais e culminando nas formas do conhecimento absoluto. Fenomenologia é a ciência pela qual a mente se torna consciente do desenvolvimento do Espírito e chega a conhecer sua própria essência, ou seja, o Espírito tal qual é em si mesmo, mediante o estudo das aparências e manifestações. 
Séculos XIX e XX: alguns filósofos usaram o termo, como Willian Hamilton, em suas Lições de Metafísica (1858) em referência à fase da psicologia empírica, Eduard von Hartmann etc. 
Fenomenologia: descrição de uma determinada matéria como disciplina descrevendo fenômenos observáveis. 
Século XX: Edmund Husserl e seus seguidores. Dividiu-se em transcendental (Husserl), existencial (Sartre) e hermenêutica (Heidegger). O que interessa aqui é falar sobre o fenômeno religioso.
Religionswissenchaft surgiu com Muller (1823-1900). Este entendia a fenomenologia da religião como ciência descritiva e objetiva, livre em relação ao caráter normativo dos estudos teológicos e filosóficos da religião. A fenomenologia da religião visa uma descrição corrente de todos os fenômenos da religião.
Para Kristensen, o fenomenólogo deve aceitar a crença daqueles que acreditam (os crentes) como sendo a única realidade religiosa. Devemos evitar impor nossos juízos, assumindo os religiosos como certos (acolher a realidade). O foco é como os crentes compreenderam e compreendem a sua fé.
O fenomenólogo deve respeitar o valor absoluto que os fiéis atribuem à sua fé. Nunca experimentaremos a religião dos outros, tal como os crentes a compreendem. O nosso entendimento é relativo. 


Fichamento e anotações pessoais - Gabriel Mauro da Silva Rosa.